Maria José Rocha Lima
No início da década de 1980, durante uma visita a uma escola municipal de Salvador, conheci a professora Mercedes Amália, alfabetizadora dedicada, muito querida por pais, alunos, comunidade escolar, pela família e amigos. Mercedes é uma católica praticante, vivencia a sua fé na plenitude, ama a Deus sobre todas as coisas e aos outros como a si mesmo. Cuidava dos irmãos e outros familiares, responsavelmente, com um carinho impressionante. Era arrimo de família. A sua gentil saudação, nos lembrava: Jesus te ama! Nunca a vi falando mal de alguém, exigindo sempre que as dúvidas e conversas políticas, mesmo as desagradáveis com as pessoas, se dessem às claras. Nunca julgava as pessoas, menos ainda praticava falso testemunho. Professora Mercedes frequentava a missa assiduamente, confessava e comungava, semanalmente; fazia bem aos necessitados e vivia a evangelizar sempre que surgia uma oportunidade. Uma pessoa reta, num esforço extraordinário para fazer a coisa certa. Mercedes, às vezes, parecia dura, com aquelas pessoas que não gostavam da coisa certa. Estava sempre com a Bíblia à mão, em meio a um bando de comunistas que dominava e ainda domina a Associação dos Professores Licenciados da Bahia – APLB-, que mais tarde se transformara em sindicato. E não tinha ateu que a intimidasse. Nas assembleias pedia a palavra para rezar, pedindo a Deus iluminação para que os professores reunidos buscassem o melhor caminho para a conquista das justas reivindicações. Eu cansei de ser advertida pelo Partido Comunista por permitir aquelas orações, que eles consideravam piegas. Embora eu fosse do partido, me solidarizava profundamente com ela, certamente porque me lembrava do início da minha adolescência, quando era Cruzada Eucarística e desejei ardentemente ser freira, e minha mãe chegou a realizar alguns entendimentos nesse sentido. Mas o que mais me surpreendeu em Mercedes foi a sua generosa militância, sempre a pé, visitando escolas, principalmente nas áreas mais difíceis, como no bairro de Cajazeiras.
Certo dia, confessou-me: “Nunca me envolvi com atuação política, menos ainda partidária, mas vejo em você uma sinceridade, uma autenticidade tão grande, que me dá confiança para participar”.
E assim seguimos, anos a fio. Até que fui candidata a deputada, e, pasmem, pelo partido comunista, e tive o valiosíssimo apoio de Mercedes.
Mas depois de dois mandatos, aparecendo nos primeiros lugares nas pesquisas para prefeita de Salvador, me sentindo traída pela esquerda e sem motivação para ingressar nos partidos de direita da Bahia à época, decidi deixar a política. Em plena crise existencial, Mercedes me acompanhou e me reconverteu ao cristianismo. Fez uma trezena de Santo Antônio comigo, indo à minha casa diariamente, apesar d’eu confessar a falta de fé. Depois dessa trezena aconteceram coisas fenomenais na minha vida: conheci o professor e pós – doutor Miguel Bordas, que era o coordenador da Pós Graduação em Educação da UFBA, e fui fazer o mestrado em educação, um sonho e providência para não ficar refém dos políticos; uma grande amiga, professora Zenaide Nascimento, tutelava uma família e me ligou sugerindo a adoção de um bebê, o adotamos e ele nos dá muitas alegrias. Neste mesmo período, fui convidada, intempestivamente, pelo Governo Português para fazer conferências em Portugal, defrontei-me com Lisboa celebrando o insigne português, a cidade coberta de cartazes, banners de Santo Antônio, havia missas festivas e procissões de pessoas indo às igrejas para todo o lado.
Na última vez que fui a Salvador, visitei Mercedes, a qual estava completando 92 anos. Incrível que ela conserve muito viva a sua fé, alegria e trabalho pastoral, me indicando os programas católicos da Rádio Excelsior. Ficou muito feliz com as minhas iniciativas de estudar Teologia; diariamente rezar o Rosário; confessar-me e receber a Eucaristia, além de acompanhar a Quaresma de São Miguel. Assim, foi e continua sendo a minha vida, quase pastoral, com a professora Mercedes Amália, que é, para mim, um dos Anjos da Legião dos Anjos Bons da Bahia.