Maria José Rocha Lima*
A professora Edna Alencar foi uma mestra da coerência política. Uma das poucas sindicalistas a exercerem o cargo de secretária da Educação. Pediu demissão após oito meses, justificando que só tinha o cargo e o prefeito a caneta.
Edinha, como a chamávamos carinhosamente, dirigia a Zonal de Juazeiro, ao lado de outras duas guerreiras: Antonieta Araújo e Marilda Vieira(in memoriam). Alguns anos depois, chegaram novas militantes, como a jovem Jailza Rosa, a quem a minha memória alcança. Que me perdoem os possíveis enganos de memória, pois memória e esquecimento são irmãos gêmeos, trilham os mesmos territórios do psiquismo humano.
Naquele tempo, participar de movimento, fazer greve, era muito difícil e desafiador. Ainda vivíamos o finalzinho do regime militar e transição para a democracia. E principalmente porque tínhamos ACM um governador querido de uma grande parte da população, mas muito violento no trato com os opositores.
No final da década de 1970, Edinha era professora concursada no estado de Pernambuco, participando de greves e mobilizações em Petrolina, onde residiam, e teve de se mudar para a Bahia, integrando-se logo à Associação de Professores de Juazeiro. Participou das greves da década de 80, sob ameaça de demissão por estar ainda em estágio probatório. Ela ainda tinha um adicional de suspeição de pessoa perigosa, que ameaçava o regime: o seu marido Moysés, um ex- marinheiro atuante na política, que fora cassado aos 22 anos, após o golpe de 1964. Depois, fez concurso para o Banco do Estado de Pernambuco, tendo assumido como bancário em Petrolina. Moysés era um aliado entusiasmado do movimento de professores, um homem que teve e tem a sua vida pautada pela justiça e honestidade.
A Zonal de Juazeiro, sob a liderança de Edinha e suas companheiras, construiu uma das maiores marchas em Defesa da Escola Pública do Estado da Bahia. Construiu, também, importantes seminários, e por isto foi uma Zonal escolhida para realizar um dos maiores Congressos Estaduais, tendo levado palestrantes importantes, a exemplo da professora Esther Pillar Grossi, uma estudiosa em Psicogênese da Língua Escrita.
Foi esee capital político e o seu compromisso sério com a educação que lhe permitiram ser alçada ao cargo de secretária de Educação de Juazeiro. Para ela, seria a realização de um plano de elevação da educação, tão sonhado, durante tantos anos de militância, que incluía a valorização dos professores, a promoção da aprendizagem e a organização e valorização do espaço escolar.
Ao assumir, reuniu os melhores técnicos, os melhores especialistas e os mais experientes militantes da educação, mas logo depois veio a frustração ao descobrir que pouco podia realizar, pois não tinha poder administrativo-financeiro. Pediu demissão. Não o fez confortavelmente, afinal tinha reunido uma equipe de peso, mas não quis se omitir frente àquela dificuldade incontornável. A professora tomou uma decisão drástica, mas inevitável. Poderia ter ficado, como tantos, silenciosa, usufruindo das benesses do cargo, abrigando os seus correligionários e amigos, mas não ficou indiferente. E, corajosamente, pediu demissão da Secretaria e pagou um alto preço, a exemplo do desprezo de alguns militantes, que não se dignaram sequer a ouvir a leitura da sua Carta de Demissão, pois estavam, quase todos, mais preocupados sobre como ficaria a sua situação, segundo um relato de uma professora, na época. Apenas a professora Marilda Vieira (in memoriam) a acompanhou. Edinha aprendeu o que ainda não sabia: em partidos políticos não se cultivam amizades, mas interesses. E nos legou os seus maiores bens: a dignidade e a coerência.
Obrigada, Professora!
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira.