A PGE chega à última semana da disputa presidencial sem fazer questionamentos ao TSE sobre o uso de desinformação contra o processo eleitoral
MARCELO ROCHA E PATRÍCIA CAMPOS MELLO
BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP
A PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral) chega à última semana da disputa presidencial sem fazer questionamentos ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ao longo dos quase 70 dias da campanha, sobre o uso de desinformação contra o processo eleitoral e a exploração da máquina pública.
Resolução de dezembro de 2021 estabeleceu que a Justiça Eleitoral, “a requerimento do Ministério Público”, deve determinar a cessação da “divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos”.
Nos mais de dez meses em que esse dispositivo esteve em vigor, porém, a única iniciativa ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral com base nele ocorreu na pré-campanha, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma apresentação a embaixadores em Brasília, em julho, com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.
A Procuradoria-Geral da República é comandada por Augusto Aras, que designou Paulo Gonet para tocar o dia a dia da PGE junto ao TSE. Procurado, Gonet não quis se manifestar.
Iniciada oficialmente em 16 de agosto, a campanha ao Palácio do Planalto tem sido marcada por denúncias sobre desinformação contra o sistema eleitoral.
O PL, partido de Bolsonaro, chegou a elaborar um relatório que levantou suspeitas acerca da segurança das urnas. O documento foi classificado de mentiroso pela corte eleitoral, que instaurou procedimento para apurar as circunstâncias de sua produção.
A cúpula da PGE tem dito a interlocutores que a reação no caso da palestra de Bolsonaro a representantes estrangeiros, no Palácio da Alvorada, marcou a posição do MP Eleitoral contra a desinformação sobre o sistema de votação e que tal iniciativa, somada a outras adotadas pelo TSE, surtiu o resultado esperado.
Na quinta (20), entretanto, o TSE aprovou resolução que deu ao tribunal mais poderes para atuar contra fake news, dispensando a necessidade de provocação por parte da Procuradoria, o que, tecnicamente, chama-se “agir de ofício”. O instrumento suprimiu o dispositivo de 2021 que mencionava o MP Eleitoral.
Segundo um ex-procurador eleitoral, o procurador-geral eleitoral deve atuar de acordo com a demanda, e obviamente há uma quantidade enorme de desinformação eleitoral circulando.
Além disso, o Ministério Público Eleitoral não precisa que o TSE ou alguém encaminhe denúncias ou o acione. O órgão pode ajuizar representações de ofício, e o PGE deve agir para tentar assegurar a integridade do processo eleitoral.
Provocações sobre informações inverídicas sobre o sistema eleitoral não são, em geral, foco das campanhas dos candidatos. Portanto, elas precisam partir do MPE –ou não haverá ação do TSE.
Na visão de um membro do tribunal, a resolução da corte aprovada na última quinta preenche esse vácuo. Ainda segundo esse integrante, o MPE não está cumprindo seu papel de fiscal do sistema eleitoral, nem em relação à desinformação, nem ao assédio eleitoral de trabalhadores ou abuso de poder econômico.
Por isso, instâncias como o Ministério Público do Trabalho é que ajuizaram representação sobre a tentativa de empregadores de coagir funcionários a votar no candidato que defendem.
Assim como foi o Ministério Público junto ao TCU o órgão que questionou o lançamento do empréstimo consignado para beneficiários do Auxilio Brasil, considerado “meramente eleitoral”.
No dia seguinte à aprovação da nova resolução do TSE, Aras ajuizou uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) no STF por entender que prerrogativas do MPE foram atropeladas e que a norma fere princípios constitucionais como a liberdade de expressão.
O pedido foi distribuído ao ministro Edson Fachin, antecessor de Alexandre de Moraes na Presidência do TSE e que também atuou para dotar a corte de mecanismos para o combate às notícias falsas. No sábado (22), ele indeferiu o pedido do PGR.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam omissão da Procuradoria quanto a uso da máquina pública, passível de enquadramento como abuso de poder político por parte da gestão Bolsonaro. O presidente também transformou o desfile do 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios em comício.
Questionado sobre eventuais providências, Aras disse que a Procuradoria se manifestaria em ações que eventualmente lhe chegassem às mãos –ou seja, em ações por iniciativa de terceiros.
Após o primeiro turno, o governo acelerou o uso do aparato estatal na tentativa de angariar votos e virar o placar contra o adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem 52% das intenções de votos válidos contra 48% de Bolsonaro, de acordo com o pesquisa mais recente do Datafolha.
O Executivo disparou uma série de medidas buscando efeitos positivos na campanha, como antecipação do pagamento de benefícios sociais pela Caixa, inclusão de famílias no Auxílio Brasil, perdão de débitos de famílias endividadas e nomeação de concursados da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
Coordenadora de comunicação da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, a professora e advogada Isabel Mota afirma que o pleito atual coloca em xeque o papel das instituições, e a PGE está inserida nesse contexto. “Não é possível admitir uma conduta passiva por parte da Procuradoria. Era preciso que ela tomasse a frente, que tivesse uma postura enérgica”, diz ela.
De acordo com a advogada, foi necessário o TSE editar uma resolução em meio ao processo eleitoral na tentativa de assegurar ao eleitor a liberdade de exercer seu voto com base em informações seguras.
“A Procuradoria, que tem assento ao lado dos ministros do tribunal, omitiu-se quanto a essa missão. Não é proteger candidato A ou B, é proteger o eleitor”, afirma. “Assim como o TSE, que desde 2018 se prepara para atuar nesse ambiente de desinformação, a PGE deveria ter feito o mesmo.”
Sem entrar no debate sobre as eleições em curso, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge disse que o MP Eleitoral deve exercer, “com desenvoltura, em toda a sua extensão e profundidade, a função de promover a higidez do sistema eleitoral, assegurando paridade de armas entre os candidatos”.
“Isso inclui o controle do uso de informação falsa ou de qualquer outro mecanismo que desequilibre a paridade de armas, no sentido do uso de instrumentos políticos ou econômicos à disposição de cada um deles”, disse ela, que esteve à frente do órgão nas eleições de 2018.
Dodge frisou que o MP foi dotado pela Constituição de 1988 de ferramentas jurídicas, e seus integrantes, de garantias para desempenhar esse trabalho. “Temos um sistema constitucional que nos habilita a isso.”