Maria José Rocha Lima*
A minha saudável curiosidade e vontade de conhecer, de ser professora e vencer veio da primeira infância, na casa das sete mulheres. Era a famosa Casa do Alvo, a casa de um primo da minha mãe, Hermógenes Xisto Lima.
O primo Hermógenes tinha sete filhas, as primas da minha mãe que nos acolheram, protegeram e propiciaram uma rica experiência intelectual e espiritual. Esse primo da minha mãe era da Maçonaria, dono de uma grande gráfica, certamente a maior e mais moderna de Salvador da época. A casa dele era muito bonita, sempre lindamente ornamentada e frequentada por deputados, vereadores, senadores e ministros. Havia muitos jantares, saraus aos sábados e outras ocasiões festivas, sempre com a presença de políticos.
A sorte daquela vivência na primeira infância foi decisiva para as nossas vidas, tanto a minha quanto da minha irmã Sueli. Ali, tivemos nos primeiros anos de vida a possibilidade de desenvolver capacidades e habilidades fundamentais para toda a vida. A beleza da casa era um estímulo, a organização do cotidiano parecia impactar as nossas cabecinhas, havia rituais impecáveis de preparação para as festas, extremamente detalhados e importantes para qualquer criança, imagine para nós que éramos pobres.
Nós éramos pobres, mas aquele contato com certo padrão de vida, com certas aspirações, especialmente com a valorização da educação, nos levou a sonhar alto. A casa tinha muitas salas, muitos livros, assinaturas de jornais, revistas da época, Cruzeiro, Manchete, Seleções do Readers Digest, Revistas de Casa e Decoração.
Havia obras de arte, cristaleiras, prataria que dava gosto. Lá convivi com a minha madrinha, a famosa Professora Angélica, carinhosamente chamada de minha madrinha Lilita, que era professora de Geografia; as suas irmãs Dolores e Regina, também professoras. Tínhamos ainda outras primas formadas, como Georgina, que estudava Direito – atualmente juíza aposentada; Madalena, que era dentista; Beatriz, contadora, e Zinha, farmacêutica. Todas as pessoas muito educadas, refinadas.
Aquilo que as crianças pobres, como eu e minha irmã Sueli, jamais conseguiríamos ter, que era saber sobre profissões, universidades, como viviam as pessoas abastadas;l, como se dão as relações de poder, eu e minha irmã éramos capazes de conhecer através de experiências vividas.
A minha madrinha Lilita era uma das que mais se dedicavam ao trabalho de nos disciplinar em casa, quase como algo formal, com direito a aulas de etiqueta e boas maneiras, sempre dramatizadas. Sobre isto, aceitei que o partido comunista, ao qual me filiei na juventude, desconstruísse, sob o argumento de que eram coisas burguesas.
Assim a minha infância pareceu esquecida, até que certo dia, na Assembleia Legislativa da Bahia eu eloquentemente denunciava que a burguesia apontava os filhos no berço: esse vai ser deputado, esse senador etc., quando um colega deputado me aparteou dizendo: senhora deputada Maria José, cuidado para não praticar demagogia, porque a senhora, ao dizer-se de formação proletária, diferentemente de nós burgueses, não está falando toda a verdade.
A senhora foi educada numa família burguesa, na casa de Hermógenes Xisto Lima, numa casa frequentada por políticos e com acesso às pessoas, às informações e às solenidades da elite baiana.
A nossa experiência na casa da minha madrinha e primas teve forte influência na minha vida pessoal e na vocação profissional e política. Quem sabe fui deputada por que passei por lá? Obrigada a minha mãe que realizou essa aproximação estratégica e obrigada às minhas queridas primas da Rua do Alvo.
A foto acima (acervo pessoal): Nós como guardas de honra no casamento da prima Dolores. Minha irmã Sueli, a primeira à esquerda; João Martins Filho, que foi vereador de Salvador; minha prima Dolores e Ismael, seu esposo; eu e o filho de um político que não me lembro o nome.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em Educação. Deputada Estadual de 1991-1999. Fundadora da Casa de Educação Anísio Teixeira. Psicanalista associada à Associação Brasileira de Pesquisas e Estudos da Psicanálise – ABEPP.