Demanda crescente por substância tradicional ameaça provocar colapso em comunidades rurais

Brooke Charity
Mais de seis milhões de burros são abatidos todos os anos para a fabricação de um produto conhecido como ejiao, um gel de origem animal usado na medicina tradicional chinesa e propagandeado como “soro da juventude”.
O ejiao é produzido a partir da fervura das peles desses animais até formar uma substância gelatinosa. A mistura é usada há mais de 2.000 anos na China, sendo anunciada como capaz de tratar anemia, insônia e até câncer. Recentemente, passou a ser incorporada em cosméticos e bebidas, alimentando uma indústria bilionária. O problema é que não há evidências científicas que comprovem qualquer benefício.
Segundo a entidade, a explosão de demanda, impulsionada pela nova classe média chinesa, transformou o antigo artigo de luxo em produto de consumo de massa. O mercado do ejiao saltou de US$ 3,2 bilhões em 2013 para US$ 7,8 bilhões em 2021. Com isso, surgiram redes ilegais que abastecem fábricas chinesas com peles oriundas de África, onde o abate de burros já é proibido em vários países.
Apesar de a União Africana ter banido a prática em 2024, a caça e o contrabando continuam em ritmo acelerado. Burros são roubados de famílias que dependem deles para o trabalho diário, caminhando por dias sem alimento até serem espancados e degolados em matadouros clandestinos. As peles são então enviadas para a China, onde o produto final é legalmente vendido inclusive em plataformas como Amazon e Etsy.
No documentário From Skin to Skincare (Da Pele ao Cuidado com a Pele, em tradução livre), o veterinário britânico Scott Miller relata ter presenciado cenas de horror em visitas a áreas afetadas. “Pisar sobre crânios de burros mortos a pauladas é algo que nunca esquecerei”, disse.
Ele alertou que, se o comércio não for interrompido, a população de burros africanos poderá desaparecer nas próximas décadas.
Os números são alarmantes. Em países como Botsuana, a população de burros caiu 70% entre 2011 e 2021. Projeções da Brooke estimam que, em 15 anos, o número de burros na África pode despencar de 27 milhões para apenas 14 milhões. O fenômeno também ameaça espécies selvagens, como o burro-africano selvagem, já classificado como criticamente ameaçado de extinção.
Além da crueldade animal, o comércio traz impactos sociais profundos. Em regiões rurais africanas, os burros são essenciais para o transporte de água e mercadorias. Sem eles, o trabalho recai sobre mulheres e crianças, que deixam de estudar ou buscar meios de subsistência mais dignos. “Estamos diante de uma tragédia animal e humana”, afirma Chris Wainwright, diretor-executivo da Brooke.
O tráfico também aumenta o risco de doenças transmissíveis entre animais e humanos, como influenza equina e encefalose viral, devido ao transporte irregular de animais vivos entre fronteiras. Especialistas alertam que a atividade é uma bomba sanitária de efeito global.
O ejiao é vendido em formato de blocos sólidos que podem ser dissolvidos em água, álcool ou incorporados a sobremesas e bebidas. Alguns fabricantes misturam a substância com nozes e outros ingredientes, e 250 gramas podem custar mais de mil yuans (cerca de R$ 700). Mesmo com seu preço elevado, a crença em seus supostos efeitos rejuvenescedores continua alimentando a matança.
Para a Brooke e outras entidades de proteção, o fim desse comércio depende de um esforço internacional. “O tráfico de peles de burro é uma das maiores ameaças ao bem-estar animal e à subsistência humana de nossa era”, conclui Wainwright. “Precisamos de uma proibição global, antes que esses animais desapareçam para sempre.”

