Juíza entendeu que Patrícia Nogueira ‘foi discriminada pelo fato de ser mulher’ e determinou indenização de R$ 3 mil. Empresa responsável por administrar espaço diz que não foi notificada da decisão; cabe recurso.
A Empresa Sul Americana de Montagens (Emsa), responsável pela gestão do Pontão do Lago Sul, em Brasília, foi condenada a indenizar em R$ 3 mil, por danos morais, uma mulher repreendida ao andar de bicicleta usando short e a parte de cima do biquíni, à beira do Lago Paranoá. Ainda cabe recurso à decisão.
O caso, registrado em vídeo, ocorreu no dia 7 de maio, e a sentença foi divulgada nesta segunda-feira (30). Na gravação feita pela servidora pública Patrícia Nogueira – a mulher abordada – é possível ver que um homem passa sem camisa e não é alertado pelo segurança, diferente do que ocorre com Patrícia.
A juíza Maria Rita Teizen Marques de Oliveira disse que não tem “dúvida que a autora foi discriminada pelo fato de ser mulher em um parque público”.
“[…] Em face do princípio da dignidade da pessoa humana, eis que com tal conduta, a empresa ré ‘classificou’ a autora como pessoa de categoria inferior tão somente pelo fato de ela ser mulher, lhe dando por isso um tratamento diferenciado e inadequado”, afirmou a magistrada.
À época, Patrícia contou ainda que “se sentiu constrangida” ao ser abordada no local (relembre o caso mais abaixo). Em julho, o Pontão negou que houve machismo e não quis se retratar com a mulher. Dessa vez, a empresa disse que não foi notificada da decisão.
Tratamento diferenciado
Segundo a magistrada, não há nada que justifique o tratamento diferenciado entre Patrícia e o outro frequentador, “que também estava despido na parte superior, mas era o homem”. A decisão prevê que a indenização, de R$ 3 mil, deve ser paga em até 15 dias e impôs aumento de 10% no valor do débito em caso de descumprimento da medida.
“Evidencia-se, portanto, flagrante violação aos princípios constitucionais da liberdade e da igualdade”, afirmou a juíza.
A magistrada disse ainda que o Brasil é um país tropical e questionou o motivo de não se poder usar biquíni quando o clima permitir.
“E mesmo que a autora quisesse tomar um banho no lago, que mal há nisso? O Lago Paranoá é público, bem como toda sua margem. Ainda que a empresa ré lucre com a exploração do local por ter recebido um direito de concessão de uso por parte do Estado, isso não muda”, reforçou.
O Pontão é uma área concedida pelo Governo do Distrito Federal (GDF), por meio de uma Parceria Público Privada (PPP). O regimento interno do estabelecimento, disponível na internet, não tem regras que proíbam o traje usado por Patrícia.
Indenização será doada
Ao G1, Patrícia contou que o dinheiro da indenização, R$ 3 mil, será doado a uma instituição que acolhe mulheres em situação de violência doméstica, por meio da compra de cestas básicas. “Foi uma situação que não se pode admitir”, afirmou.
De acordo com a servidora, a sentença foi “impecável” e retrata a forma como mulheres são tratadas e como esse fato precisa ser mudado na sociedade.
“Não, não me sinto e nunca serei inferior. Todas as vezes que me sentir violada, vou buscar Justiça. Agora, acredito nela”, comentou.
Em relação à empresa, Patrícia diz que o valor que será pago é “irrisório”, mas que o prejuízo à imagem foi mais “pesado” que a sentença. “Fiquei à disposição para um pedido de desculpas. Propus acordo, que foi rejeitado. Mas, felizmente, foi surpreendida com essa decisão”, disse.
Relembre o caso
Patrícia andava de bicicleta usando short e a parte de cima do biquíni quando o segurança pediu para que ela vestisse a camiseta. A servidora, então, começou a filmar a abordagem. Nesse momento, um homem sem camisa passou ao lado. No vídeo, ela questionou o vigilante se ele não abordaria o outro frequentador.
“Eu não posso de short e a parte de cima do biquíni, mas homem sem camisa pode, é isso?”, questionou Patrícia.
Em resposta, o segurança disse que “mulher de biquíni não pode”, mas que homem sem camisa “não tem problema”, desde que não esteja com traje de banho.
“Estava de short, camiseta [na mão], tênis. Por baixo da camiseta, a parte de cima do biquíni. Quando um segurança do local me abordou de forma muito educada e me pediu que vestisse a camiseta pois ali não é permitido circular em trajes de banho”, contou a mulher em entrevista, à época.
Após o caso ser revelado, a administração do Pontão do Lago Sul disse que “não compactua com tal situação e repudia todo e qualquer tipo de discriminação”. (G1DF)