Na quarta-feira (17), Ibama rejeitou pedido de perfuração de poço no bloco 59, na costa do Amapá. Petroleira tenta o licenciamento de outros 5 blocos. Com recifes de coral e manguezais, região é de alta relevância ambiental.
Blocos de exploração localizados na bacia sedimentar da foz do amazonas — Foto: Divulgação/Ibama
A Petrobras quer perfurar outros cinco blocos na bacia da foz do rio Amazonas, no litoral do Amapá, para além do poço de petróleo que teve a licença negada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nesta quarta-feira (17).
Com base em um parecer técnico, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, não autorizou a perfuração de teste no bloco FZA-M-59 (também chamado de bloco 59), em uma área de “alta vulnerabilidade socioambiental”, a cerca de 175 quilômetros da costa amapaense.
O processo de licenciamento ambiental do bloco 59 começou em abril de 2014 e era o mais adiantado entre os processos dos outros blocos concedidos na 11ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo Gás e Biocombustíveis (ANP), realizada em 2013.
Bastava a autorização do Ibama para a petroleira começar a perfuração de teste, necessária para verificar se há petróleo suficiente para extração.
O bloco 59, no entanto, não é o único que a Petrobras quer explorar na região. A empresa também está tentando obter o licenciamento ambiental de cinco blocos ao lado do bloco 59.
Os blocos FZA-M-57, 86, 88, 125 e 127, no entanto, já tiveram a licença de operação negada pelo Ibama em 2018.
Na época da negativa, o instituto apontou que a empresa Total E&P não havia conseguido demonstrar capacidade de gerenciar adequadamente os riscos da atividade exploratória.
“Um incidente com vazamento de óleo na região em que se situam os Blocos FZA-M-57, 86, 88, 125 e 127 na bacia da Foz do Amazonas pode implicar danos irreversíveis se o empreendedor não contar com robusta infraestrutura e planejamento preciso de como atuar na emergência”, afirmou o Ibama naquele ano.
A Total, então, desistiu do projeto e passou para a Petrobras sua participação nos cinco blocos.
A Petrobras deu início a um novo processo de licenciamento para os cinco blocos em setembro de 2020 e já apresentou alguns dos documentos necessários, entre eles o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental — em relação a este último, o Ibama solicitou ajustes, e a empresa protocolou uma segunda versão em agosto de 2022.
Em dezembro do ano passado, o Ibama se manifestou pela última vez no processo, apontando que as alterações no projeto do bloco 59 poderiam repercutir no licenciamento dos outros cinco blocos. Na ocasião, o instituto solicitou a atualizado do Estudo de Impacto Ambiental e dos estudos de modelagem de dispersão do óleo.
Os estudos de modelagem são centrais para a autorização de atividades de exploração de petróleo no mar, porque simulam diferentes cenários e procedimentos necessários em caso de vazamento de óleo.
O g1 procurou a Petrobras, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Interesse da Petrobras na Margem Equatorial
Tanto o bloco 59 quanto os outros cinco blocos que a Petrobras ainda quer explorar ficam na bacia da foz do rio Amazonas, parte da chamada Margem Equatorial Brasileira, área com potencial de exploração de 14 bilhões de barris de petróleo, que compreende a região litorânea do Amapá até o Rio Grande do Norte. A margem contempla ainda as bacias Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
A foz do Amazonas é considerada uma região de alta relevância biológica, com recifes de coral ainda pouco estudados, que se estendem por 1.350 km. A costa amazônica abriga ainda 80% da cobertura de manguezais do país.
Segundo o plano estratégico da Petrobras para o período de 2023 a 2027, a previsão da estatal era investir US$ 2,9 bilhões na exploração da Margem Equatorial — valor equivalente a 49% do total da verba para exploração (45% irá para as bacias do Sudeste).
No final de março, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, defendeu a exploração da região ao blog da Andreia Sadi.
“Se for comprovada a viabilidade do projeto, será um salto em direção ao futuro, uma verdadeira alavanca de novos investimentos e oportunidades”, afirmou Prates. “Depois da bacia de Campos e do pré-sal, estamos diante da mais nova fronteira do país, a Margem Equatorial, que vai da costa do Amapá até o Rio Grande do Norte.”
Oposição à exploração de petróleo
Estação Ecológica Maracá-Jipioca, no Nordeste do Amapá — Foto: Amapá nas Costas/Reprodução
Em abril, 80 organizações da sociedade civil pediram ao governo federal que não fosse emitida a licença para extração de petróleo e gás na foz do Amazonas.
“A abertura dessa nova fronteira exploratória é uma ameaça a esses ecossistemas e, também, é incoerente com os compromissos assumidos pelo governo brasileiro perante a população brasileira e a comunidade global”, afirmaram as entidades.
A Organização das Nações Unidas (ONU) vem alertando que os atuais compromissos internacionais sobre o clima estão muito longe de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, em relação aos níveis pré-industriais. No Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 50% na comparação com as emissões de 2005.
“Um passo fundamental é eliminar, o quanto antes, a extração e queima de combustíveis fósseis, principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. No entanto, o Brasil tem optado por ir para o lado oposto ao da solução”, alertaram ao governo as 80 organizações da sociedade civil.
Dificuldade de obter a licença
A negativa do Ibama para a perfuração do poço no bloco 59 não tem impacto direto no processo de licenciamento dos outros cinco blocos, mas gera reflexos, segundo Daniela Jerez, analista de políticas públicas do WWF-Brasil.
Isso porque o Ibama apontou, entre outros pontos, a ausência da chamada Avaliação Ambiental da Área Sedimentar (AAAS) para a bacia da foz do Amazonas.
A AAAS deve ser realizada conjuntamente pelo Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente. Apesar de não ser parte obrigatória do licenciamento ambiental, a avaliação é considerada crucial para que se compreendam os eventuais impactos da exploração de petróleo em toda a região — e não apenas na área de determinado bloco.
Em teoria, explica Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, ela deveria ser realizada antes do oferecimento dos blocos em leilão.
“Ela mapearia as áreas aptas, não aptas e em moratória — estas últimas são as que necessitariam mais estudos. Então, só se colocaria em leilão aquilo que fosse área apta”, disse Araújo ao g1.
Segundo ela, a necessidade de realização da AAAS é apontada desde 2018, quando ela, então como presidente do Ibama, negou a licença para os cinco blocos.
Em nota, a Petrobras afirma que “recebeu com surpresa a notícia de indeferimento do processo de licenciamento ambiental do bloco FZA-M-59” e que segue “segue comprometida com o desenvolvimento da Margem Equatorial brasileira, reconhecendo a importância de novas fronteiras para assegurar a segurança energética do país e os recursos necessários para a transição energética justa e sustentável”.
“Neste sentido, a Petrobras está empenhando esforços para obtenção da licença de perfuração na Bacia Potiguar, conforme planejamento previsto no seu Plano Estratégico 2023-27, assim como a execução dos projetos de exploração previstos no Brasil e no exterior. Diante da confirmação da decisão noticiada, a sonda e os demais recursos mobilizados na região do bloco FZA-M-59 serão direcionados, nos próximos dias, para atividades da companhia nas bacias da região Sudeste”, diz a nota.
O g1 procurou a empresa para perguntar especificamente sobre o licenciamento dos outros cinco blocos na foz do Amazonas, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Fonte: g1*