Estudo da Universidade de Brasília, apoiada pela FAPDF, transforma peptídeos derivados do inseto em candidatos a novos tratamentos para epilepsia, Alzheimer e Parkinson

As doenças neurodegenerativas — como a Doença de Alzheimer (DA), a Doença de Parkinson (DP) e a Epilepsia do Lobo Temporal (ELT) — estão entre os maiores desafios da saúde pública contemporânea. São condições progressivas e de alto impacto social, para as quais ainda não existem terapias capazes de impedir a evolução da doença.
É nesse contexto que surge o projeto “Novos tratamentos bioinspirados e associados à nanotecnologia, educação e prevenção contra as Doenças Neurodegenerativas”, com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do edital Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (Pronem) de 2020.
A iniciativa é coordenada pela professora Márcia Renata Mortari, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), que conquistou o 1º lugar do Prêmio FAPDF Destaca na categoria Pesquisador Inovador – Setor Empresarial. A investigação parte de uma premissa bioinspirada: moléculas presentes na natureza podem orientar o desenvolvimento de novos medicamentos — especialmente compostos neuroativos encontrados em peçonhas de insetos.
Segundo a pesquisadora, a observação do comportamento das vespas sociais levou à hipótese de que sua peçonha poderia conter moléculas com ação sobre o sistema nervoso.
Essas vespas, como a espécie Polybia occidentalis, utilizam o veneno para paralisar presas, indicando a presença de compostos que afetam diretamente a atividade neuronal. A partir disso, o grupo formulou a hipótese de que tais moléculas poderiam ser purificadas e testadas contra doenças neurológicas e neurodegenerativas, dando origem à plataforma de peptídeos estudados no projeto.
O termo peptídeo refere-se a pequenas cadeias de aminoácidos — moléculas menores que proteínas — capazes de interagir de forma muito específica com estruturas celulares, o que as torna candidatas interessantes para o desenvolvimento de fármacos mais seletivos e seguros.
Peptídeos inovadores
Os três peptídeos bioinspirados desenvolvidos pela Rede têm apresentado resultados expressivos:
• Neurovespina — Investigada por seu potencial antiepiléptico e neuroprotetor;
• Fraternina — Com atividade neuroprotetora em modelos de Doença de Parkinson;
• Octovespina — Capaz de interferir na agregação de beta-amiloide, proteína que se acumula no cérebro em casos de Alzheimer.
No caso da epilepsia refratária — quando as crises não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais —, a Neurovespina já avançou para ensaios clínicos em cães, conduzidos em parceria com o Hospital Veterinário (HVet).
Os estudos experimentais também investigaram o impacto da Neurovespina em regiões como o hipocampo e a substância negra, áreas essenciais para memória, regulação elétrica do cérebro e controle motor. A substância negra, por exemplo, é uma das regiões mais afetadas na Doença de Parkinson, por abrigar neurônios dopaminérgicos essenciais ao movimento.
O papel da nanotecnologia
Para que um fármaco atinja o sistema nervoso central, ele precisa atravessar a barreira hematoencefálica — uma barreira natural que protege o cérebro e impede a entrada de substâncias potencialmente tóxicas. A nanotecnologia é uma estratégia importante para superar esse desafio.
Os pesquisadores desenvolveram nanossistemas de liberação, pequenas partículas em escala nanométrica que:
• Protegem os peptídeos contra degradação;
• Aumentam a estabilidade e a solubilidade;
• Favorecem a chegada ao cérebro;
• Permitem administração intranasal, rota que oferece acesso mais direto ao sistema nervoso central.
Os estudos indicam que a Neurovespina nanoencapsulada mantém a mesma eficácia do composto livre. Além disso, quando administrada uma vez ao dia por via intranasal, sustenta a redução das crises ao longo do período crônico, sugerindo maior tempo de ação e melhor conforto terapêutico.
A segurança farmacológica vem sendo avaliada por três linhas metodológicas complementares: ensaios in vitro, com culturas de células neuronais; ensaios in vivo, em modelos animais; e bioinformática, para prever interações moleculares, estabilidade e possíveis efeitos adversos.
Essa abordagem integrada permite identificar não apenas a eficácia, mas também potenciais riscos cardíacos, neurológicos e metabólicos — aspectos essenciais no desenvolvimento de um futuro medicamento.
A cooperação multidisciplinar tem sido um diferencial do projeto: neurocientistas, farmacologistas, químicos, especialistas em nanotecnologia e equipes internacionais analisam conjuntamente os dados e refinam os métodos, garantindo maior robustez científica.
Impactos científico e social
Os resultados da pesquisa têm potencial para transformar o manejo de doenças neurológicas refratárias, tanto na medicina humana quanto na veterinária.
Novas terapias podem reduzir a frequência e a intensidade das crises, melhorar a autonomia e a qualidade de vida, diminuir hospitalizações e reduzir custos associados a tratamentos crônicos pouco eficazes.
O estudo também posiciona o Distrito Federal no cenário da biotecnologia baseada em peptídeos, área emergente de alta complexidade tecnológica, com potencial para gerar inovação, propriedade intelectual e formação de recursos humanos especializados.
O apoio da FAPDF, segundo a coordenação, foi essencial para consolidar o núcleo de pesquisa e viabilizar etapas de alto custo — desde a purificação dos peptídeos até a execução de ensaios pré-clínicos e clínicos, além da aquisição de equipamentos especializados.
“Apoiar projetos como a Rede Neurobioprospecta é investir em soluções que nascem no Distrito Federal e têm potencial para transformar vidas no Brasil e no mundo. É ciência de excelência gerando impacto real na saúde humana e animal”, afirma Leonardo Reisman, diretor-presidente da FAPDF.
*Com informações da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF)

