
Por Miguel Lucena
A seguir, apresento uma fundamentação jurídica estruturada, tal como seria redigida em uma decisão ou parecer técnico, embasando a posição do ministro Alexandre de Moraes quanto à perda automática do mandato parlamentar em caso de condenação criminal transitada em julgado, conforme o art. 55, §3º, da Constituição Federal.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A controvérsia posta diz respeito à natureza do ato pelo qual se procede à perda do mandato parlamentar quando existente condenação criminal transitada em julgado. A Câmara dos Deputados realizou votação e, por decisão política de seu plenário, rejeitou ato de cassação da deputada condenada criminalmente. Cumpre verificar se tal deliberação encontra fundamento constitucional.
1. Regra constitucional aplicável: art. 55, § 3º, da Constituição Federal
Dispõe o art. 55 da Constituição:
Art. 55 (…)
VI – perderá o mandato o Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado;
§ 3º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Da leitura literal do dispositivo, extrai-se que:
A perda do mandato decorre automaticamente da condenação criminal com trânsito em julgado — é consequência jurídica direta da sentença penal.
À Mesa da Casa legislativa não compete decidir politicamente se o mandato deve ou não ser cassado.
A atuação da Mesa limita-se a declarar a perda do mandato, ato administrativo vinculado, sem margem de discricionariedade.
A Constituição, deliberadamente, diferencia os casos dos incisos III, IV e V, nos quais o Plenário decide politicamente (art. 55, § 2º), daqueles em que não há juízo político, como no inciso VI, regulado pelo § 3º.
2. Jurisprudência consolidada do STF
O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, reafirmou:
A perda do mandato é automática quando presentes as hipóteses do art. 55, VI.
A Casa legislativa não possui competência para sustar, modificar ou substituir a decisão judicial transitada em julgado.
O ato da Mesa é meramente declaratório, não constitutivo.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes está alinhada a precedentes como:
MS 26.602, rel. Min. Celso de Mello
Ato da Mesa é vinculado; decisão penal é suficiente para a perda do mandato.
ADI 5.526, rel. Min. Teori Zavascki
O STF reafirmou que o Judiciário define os efeitos da condenação criminal, cabendo ao Parlamento apenas executar tais efeitos.
MS 32.326, rel. Min. Roberto Barroso
Não cabe ao Legislativo revisar efeitos automáticos de decisão judicial.
3. Separação de Poderes e o princípio da constitucionalidade dos atos parlamentares
A Câmara dos Deputados, ao submeter a perda do mandato a votação plenária, atuou fora da moldura constitucional, invadindo competência do Poder Judiciário.
O princípio da separação de poder (art. 2º, CF), lido em conjunto com o controle judicial dos atos administrativos e parlamentares (art. 5º, XXXV), impõe que:
O Legislativo não pode contrariar determinação constitucional expressa nem neutralizar os efeitos de decisão judicial transitada em julgado.
A votação parlamentar que pretende substituir o comando do art. 55, § 3º, representa ato inconstitucional por desvio de finalidade e usurpação de competência.
4. Natureza vinculada do ato da Mesa
O STF, ao julgar matéria análoga, esclarece que:
A Mesa deve apenas formalizar a perda do mandato já consumada pelo direito vigente.
Não há espaço para juízo político, nem deliberação plenária.
Trata-se de dever jurídico, e não de faculdade.
Assim, qualquer tentativa de submeter a perda do mandato a escrutínio político configura nulidade absoluta do ato.
5. Conclusão: nulidade da votação e determinação judicial
Diante da literalidade do art. 55, §3º, da CF, da pacífica jurisprudência do Supremo e do caráter automático da perda do mandato, conclui-se que:
A votação da Câmara dos Deputados constitui ato inconstitucional, pois usurpa competência do Poder Judiciário e contraria comando vinculante da Constituição.
A perda do mandato opera-se ipso iure, com o trânsito em julgado da condenação penal.
À Mesa cabe exclusivamente declarar o fato e editar ato administrativo correspondente.
Assim, correta a decisão do ministro Alexandre de Moraes ao:
Anular a votação realizada pela Câmara, por violação direta à Constituição.
Determinar a perda imediata do mandato, já consumada pela condenação criminal.
Ordenar que a Mesa edite o ato declaratório, no cumprimento de seu dever constitucional vinculado.


