Câmara baixa do Parlamento aprova emendas que proíbem a adoção de crianças por cidadãos que se submeteram à mudança de sexo e tornam casamento nulo. Projeto de lei também criminaliza transição de gênero e veta documentos
Ativistas russos a favor dos direitos da comunidade LGBTQIAP+ protestam na região central de Moscou – (crédito: KIRILL KUDRYAVTSEV)
A Duma — Câmara baixa do Parlamento da Rússia — tornou ainda mais rigoroso um projeto de lei que proíbe transições de gênero. As pessoas transexuais não terão mais o direito de adotarem crianças. A nova medida é anunciada em um momento de multiplicação de medidas conservadoras desde o início da ofensiva russa. Em meados de junho, a Duma aprovou, em primeira leitura, o projeto de lei que proíbe intervenções médicas e as alterações de estado civil para processos de transição de gênero. Ontem, os deputados acataram uma nova versão do projeto, em uma segunda leitura. A exceção são as “doenças congênitas” em crianças, por decisão de uma comissão médica federal.
Por meio de um comunicado, a Duma especificou que o texto proibirá os tratamentos hormonais para transição de gênero. Além disso, pessoas que passaram por este processo serão proibidas de adotar ou obter a custódia de crianças na Rússia, de acordo com a nova versão do documento. E ainda acrescenta que o procedimento também pode ser um “motivo” para a suspensão de um casamento. “Aquelas uniões que foram registradas por um homem e um mulher, e em que um dos dois terminou com um sexo diferente, serão anuladas”, disse Sergey Leonov, vice-presidente do Comitê de Proteção à Saúde da Duma. “A partir de agora, ninguém terá permissão para mudar de sexo. Então, essas pessoas (trans) não mais existirão”, acrescentou.
O texto será analisado pela terceira e última vez nesta sexta-feira (14/7), de acordo com a Duma. Mas as possibilidades de uma nova aprovação são grandes. Um dos autores da proposta, o deputado Pyotr Tolstoy — integrante do Rússia Unida, partido do presidente Vladimir Putin — justificou que as medidas buscam “a construção de uma barreira contra a penetração da ideologia ocidental contra a família”. “Por que estamos fazendo isso? Ao impedir a ideologia antifamília ocidental, estamos salvando a Rússia para as gerações futuras, com sua família e valores e tradições culturais”, explicou.
Desde o início da guerra na vizinha Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia tem se engajado em uma campanha conservadora na política nacional, a fim de minar supostas influências do Ocidente e eliminar comportamentos que o Kremlin considera “desviantes”.
Em 24 de novembro passado, a Câmara baixa do Parlamento russo aprovou, por unanimidade, emendas a uma legislação para punir “propagandas” que promovam “relações sexuais não tradicionais”. Desde então, estão proibidas quaisquer menções à homossexualidade nos filmes, nos livros, na internet e na publicidade. Na ocasião, a agência de notícias estatal russa Itar Tass informou que a medida impactará “uma compreensão distorcida da igualdade social das relações sexuais tradicionais e não tradicionais”. Qualquer pessoa flagrada cometendo a “infração” está sujeita a multa de até 400 mil rublos (cerca de R$ 21,2 mil). As penalidades são mais altas para jornalistas e para organizações midiáticas.
Prisão
Agentes do Serviço Federal de Segurança (antiga KGB) detiveram, nesta quinta-feira (13/7), um ativista transexual, sob a acusação de “alta traição” por apoiar a Ucrânia. Em comunicado à imprensa, o FSB anunciou que as autoridades “interromperam as atividades ilegais de um cidadão russo, residente da região de Oryol (oeste da Rússia), envolvido em alta traição por fornecer ajuda financeira para as Forças Armadas da Ucrânia”.
Em um vídeo da prisão divulgado pelo FSB e compartilhado pela mídia estatal russa, o suspeito aparece imprensado contra uma parede por homens armados uniformizados. O suspeito grita por ajuda, antes de ser algemado e colocado em uma van. O homem trans detido trabalha para o grupo de monitoramento de direitos humanos OVD-Info. Caso seja considerado culpado, ele poderá ser condenado à prisão perpétua.
Quadro
As novas medidas
- A transição de gênero (ou mudança de sexo), por meio de cirurgias ou de tratamentos hormonais, fica proibida. A exceção é para casos de“desvios fisiológicos congênitos”.
- Também ficam proibidas alterações em documentos oficiais com base em atestados médicos de “mudança de sexo”.
- Serão anulados os casamentos em casos nos quais um ou ambos cônjuges passem por uma “mudança de sexo”.
- Casais em que um dos parceiros tenha se submetido à mudança de gênero estão proibidos de adotarem crianças.
- Pessoas que se submeteram a uma transição no exterior serão incapazes de receber documentos russos listando a correta identidade de gênero.
Rumores de expurgo no Exército de Putin após motim
O motim frustrado do Grupo Wagner, liderado pelo oligarca Yevgeny Prigozhin, em 23 de junho passado, deixou um rastro de mistério no seio das Forças Armadas da Rússia, conhecidas por seu hermetismo. Em torno da caserna de Vladimir Putin, multiplicaram-se rumores de um expurgo, o medo de uma nova rebelião e possíveis ajustes de contas. O destino de três generais russos alimenta os temores de movimentos anormais dentro do Exército.
Com fama de implacável, veterano das brutais guerras na Chechênia (1999-2009) e na Síria, Sergei Surovikin é um dos comandantes emblemáticos da intervenção russa na Ucrânia, da qual foi responsável de outubro de 2022 a janeiro de 2023. Também é considerado próximo de Prigozhin, que não o criticava em seus vídeos cheios de agressividade contra o Estado-Maior russo e que o considerava “o único homem com estrela de general que sabe combater”.
No entanto, depois do motim fracassado do grupo de combatentes mercenários, Sergei Surovikin simplesmente desapareceu. Sua última aparição pública foi em um vídeo, na noite do motim, com ar de constrangido, no qual exorta as tropas do Wagner a desistirem da rebelião. Estava vestido com uniforme, mas sem dragonas, o que, para alguns observadores, é sinal de que poderia estar detido.
Segundo o jornal The New York Times, que cita os serviços de inteligência americanos, o general Surovikin tinha conhecimento prévio do motim. O Kremlin, em contrapartida, desmentiu essas informações e afirma que ele continua oficialmente em seu posto. Mas os rumores mais diversos não param de circular, que vão desde a detenção até uma simples suspensão.
Na quarta-feira, o chefe do Comitê de Defesa da Duma (Câmara dos Deputados) russa, Andrei Kartapolov, deu novo impulso às especulações ao empregar termos enigmáticos: Surovikin “descansa, não está disponível por ora”, afirmou.
Destituição
Em mensagem revelada na noite de quarta-feira, o major-general Ivan Popov afirma que foi suspenso de suas funções por ter alertado “com firmeza” o alto comando sobre as dificuldades experimentadas na Ucrânia, especialmente as fortes perdas humanas e a carência de material de ponta.
“As forças ucranianas não conseguiram penetrar em nosso exército, mas fomos atingidos por trás por nosso chefe principal, que decapitou covardemente o exército no momento mais difícil”, acrescenta, ao provavelmente se referir ao chefe de Estado-Maior, o general Valeri Gerasimov.
Segundo o canal de Telegram Grey Zone, visto por mais de 500 mil assinantes, Gerasimov teria acusado Popov de “desinformação e alarmismo” ao tomar conhecimento de seu relato. Popov dirige o 58º Exército russo, considerado um dos melhores em combate e que está destacado na província ucraniana de Zaporizhzhia, onde enfrenta a contraofensiva de Kiev.
Morte
O tenente-general Oleg Tsokov teria morrido, em 11 de julho, por causa de um bombardeio contra um hotel distante do front de batalha, perto de Berdiansk, cidade ocupada pelos russos no sul da Ucrânia. O Exército russo não confirma a informação, divulgada pela tevê pública e por blogueiros militares pró-Kremlin.
A nova morte de um general em um bombardeio específico provocou muitas críticas. “É triste dizer isso, mas a qualidade da inteligência do inimigo é superior à nossa”, assinalou o canal Zapiski Veterana. O blogueiro Rybar, seguido por 1,2 milhão de assinantes, reprovou o alto comando por não fazer nada, enquanto existem “células dormentes” que informam à Ucrânia a partir dos territórios ocupados e também são conhecidas as capacidades de espionagem via satélite dos aliados ocidentais da Ucrânia. “Todo o mundo sabe disso, todos estão informados, mas não se toma nenhuma providência”, acrescentou.
Fonte: Correio Braziliense*