Tião Lucena
Mané Pitito deitou-se no caixão da caridade e dormiu. O silêncio das covas rasas era de vez em quando perturbado pelo zoar dos sapos nas locas dos defuntos. Nada daquilo, porém, perturbava o sono de Mané Pitito. Sono povoado de sonhos etílicos, de guerras travadas contra copos cheios de aguardente.
Quem o conheceu na juventude jurava que ele fora um dos rapazes mais elegantes da cidade de Princesa. Troféu disputado pelas moças casadoiras do lugar, trocava de roupa todo santo dia, a cada dia uma roupa nova, a maioria delas branca, de linho, engomada por Luiza de Zoroastro com goma de tapioca para deixar o vinco saliente.
Boêmio, namorador, bom de fala e de lábia, dilacerava os corações nos serões alcoviteiros promovidos por Alice de Zidoro no Cancão de tantos mistérios. Mulheres brigavam por ele. Ficou célebre a troca de sopapos entre duas conceituadas mocinhas da Rua Grande pela disputa do amor de Mané, que no final não ficou com nenhuma delas, tão volúvel que era nessas coisas de namoro.
Um dia, e sempre haverá um dia, apareceu a morena do Piancó. Faceira, cabelo preto e comprido batendo na cintura, olhos grandes e brilhosos, boca carnuda, seios fartos, bunda larga e um par de coxas que deixava qualquer um em ânsias de morrer. Valéria chegou para visitar o tio Luiz Nogueira e os primos. E parou o Cancão. O desfile de marmanjos na porta de Nogueira se assemelhava aos da procissão de Nossa Senhora do Bom Conselho.
E de noite, as serenatas se sucediam. Todo mundo queria cantar pra Valéria, dizer versos, declamar sonetos, falar de amor.
O único que se fez de gostoso foi Mané Pitito.Como sempre, ficou na dele.
E Valéria não gostou daquilo.
-Vou mostrar que ele vai comer na minha mão -, prometeu pra Lurdinha de Zé Piaba, sua amiga de confidências.
E tanto fez, tanto insistiu, tanto perseguiu que Mané Pitito aceitou fazer-lhe a corte. Mas Pitito, desacostumado com tanta boniteza, derreteu-se por ela. E ela, depois de sugar sua paixão, deu-lhe um pé na bunda e amigou-se com o fazendeiro Zé do Michila, que comia todas e não era de ninguém.
A fossa de Mané Pitito foi grande. Deixou de comer, deixou de tomar banho, nunca mais fez a barba, virou monge, os cabelos em desalinho o transformaram num fantasma e a partir daí meteu a cara na cana e foi morar no cemitério, no caixão da caridade, o mesmo que o enterrou quase cinquenta anos mais tarde.