Os dados não incluem Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que mudaram a metodologia da contagem de leitos ao longo dos últimos 12 meses
Em um ano, os estados brasileiros ampliaram em 150% a oferta de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para tratamento da Covid-19. Mesmo assim, o nível de ocupação dos hospitais que atuam no tratamento da doença é maior do que há um ano.
Os dados vêm dos levantamentos de ocupação de leitos para Covid-19 realizados pela Folha a partir de maio de 2020. Desde então, foram 24 levantamentos, que mapearam a oscilação da oferta e nível de ocupação dos leitos em 24 unidades da federação.
Em 11 de maio de 2020, eram 11,3 mil leitos de terapia intensiva destinados ao tratamento da Covid-19 no país. Na época, apenas dois estados tinham ocupação acima de 90%, patamar considerado crítico: Ceará e Pernambuco.
Já em 10 de maio de 2021, são 28,1 mil leitos disponíveis para o tratamento da doença. Mas o quadro nos estados é bem mais grave: seis têm uma ocupação acima de 90% dos leitos. São eles Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraná e Santa Catarina.
Os dados não incluem Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que mudaram a metodologia da contagem de leitos ao longo dos últimos 12 meses, inviabilizando a comparação.
Nesse período, houve oscilações no nível de ocupação dos leitos de acordo com a região, mas todas as 27 unidades da federação enfrentaram em algum momento um nível crítico.
Depois do arrefecimento da primeira onda, alguns estados chegaram a desativar hospitais de campanha e destinaram leitos de Covid para o tratamento de outras enfermidades a fim de não os manter ociosos. Porém, em geral, houve uma retomada na abertura de leitos durante a segunda onda da pandemia.
Primeira unidade federativa a ver seu sistema de saúde colapsar —por duas vezes—, o Amazonas é um dos poucos onde o número de leitos de UTI para Covid-19 é menor agora do que há um ano.
A oferta de vagas caiu 13% entre os meses de maio de 2020 —quando o sistema de saúde entrou em colapso pela primeira vez, com enterros em valas coletivas— e maio de 2021.
Em janeiro de 2021, quando o sistema de saúde colapsou pela segunda vez, com pacientes morrendo sufocados por falta de oxigênio, o Amazonas tinha menos leitos do que na primeira onda, apesar de a gravidade da pandemia ser maior.
Eram 326 vagas em 11 de janeiro, três dias antes do colapso, sendo que 93% delas estavam ocupadas. O estado ainda tinha uma fila de 60 pessoas aguardando por um dos leitos de UTI, que estão todos em Manaus.
No vizinho Pará, por outro lado, as vagas de UTI aumentaram 130% entre maio de 2020, quando ocorreu o pico da pandemia no estado, e maio deste ano, passando de 277 para 638 leitos. O nível de ocupação de leitos, contudo, permanece num patamar semelhante.
Em janeiro de 2021, quando a escassez de oxigênio provocou a morte de pacientes na cidade de Faro, o estado tinha 228 vagas e 70% delas estavam ocupadas.
Nos estados do Sul, que ainda enfrentam cenário crítico, também houve aumento da oferta de leitos.
O Paraná triplicou em um ano o número de vagas de UTI para pacientes de Covid-19 e atualmente possui cerca de 1.900 leitos. A ocupação, no entanto, não parou de subir, e os hospitais estaduais atingiram lotação máxima entre fevereiro e março de 2021, pior momento da pandemia no estado.
Na ocasião, o secretário estadual de Saúde, Beto Preto, pediu que empresas e indústrias doassem cilindros de oxigênio para atender a demanda. Hoje, a taxa ainda é alta, de 92%.
Até o início de abril, Curitiba permaneceu por 23 dias em isolamento rígido. Em maio, após a flexibilização das medidas, a capital registrou aumento no número de casos ativos de Covid-19.
Santa Catarina duplicou o número de vagas em UTIs, mas vem desativando leitos nas últimas semanas diante da queda na demanda.
O governo catarinense chegou a transferir pacientes com Covid-19 para o Espírito Santo no início de março, devido à superlotação de hospitais. As medidas restritivas, no entanto, não seguiram, de modo geral, a mesma proporção da gravidade do cenário.
O estado também continua registrando festas clandestinas, principalmente em cidades litorâneas, mesmo com a ocupação de leitos girando em torno de 90%.
Na região Centro-Oeste, que também enfrentou um recrudescimento dos casos de Covid-19, o cenário é parecido.
Goiás ampliou a oferta de leitos de UTI em dez vezes ao londo de um ano. Mas isso não impediu que a ocupação de vagas crescesse de 41% em maio do ano passado para os atuais 81%.
Primeiro estado a confirmar morte por coronavírus na região, Goiás também registrou o óbito do prefeito de Goiânia, em decorrência da Covid-19. Maguito Vilela (MDB), 71, morreu em janeiro após dois meses e meio de internação. É a cidade mais populosa até aqui a perder seu governante para o vírus.
Mato Grosso foi do céu ao inferno em um ano. O estado tinha 9% de ocupação de leitos em maio do ano passado. Hoje, mesmo tendo triplicando a oferta de leitos, o estado tem uma ocupação de 77%.
Mato Grosso do Sul também demorou para enfrentar picos mais severos da doença. Conseguiu quadruplicar a rede de atendimento, mas enfrenta uma ocupação de 86% dos leitos para pacientes graves.
Dentre os estados do Sudeste, o Rio de Janeiro tem agora o mesmo nível de ocupação de UTIs públicas de um ano atrás, acima de 80%.
O estado passou por três picos da doença, com colapsos do sistema de saúde: em maio e dezembro do ano passado e em abril deste ano. Muitos hospitais de campanha prometidos nunca foram abertos, e o então governador Wilson Witzel (PSC) acabou afastado por suspeitas em contratos da Saúde.
No Nordeste, quatro estados permanecem com ocupação de leitos acima de 90% e ainda assim têm flexibilizado medidas restritivas para conter o vírus.
Um dos primeiros a colapsar na região, o Ceará chegou a um cenário de relativa tranquilidade no final do ano passado, com a retomada de cirurgias eletivas e desativação de leitos para Covid.
À medida que a demanda voltou a crescer, neste ano, o estado foi reabrindo as UTIs. Nesta semana, a taxa de ocupação é de 92%.
Pernambuco aumentou em 220% o número de leitos de UTI. A taxa de ocupação, mesmo com 1.168 vagas a mais, cresceu e atualmente é de 97%.
O estado enfrenta colapso no sistema de saúde desde o final de fevereiro, com filas de mais de cem pacientes para acessar cuidados intensivos, relatos de desabastecimento de medicamentos e profissionais esgotados. A média de espera para acessar uma vaga de UTI em Pernambuco é de 12 horas.
Sergipe, que mais que quadruplicou a rede de atendimento a pacientes graves com Covid, tem 97% dos leitos ocupados.
O Rio Grande do Norte vive um cenário parecido. Triplicou o número de leitos de UTI, mas mesmo assim tem ocupação de 94%.
Ainda em fevereiro, a governadora Fátima Bezerra (PT) disse que abrir leitos não bastava. “Chegamos ao nosso limite. Não vou iludir a população do Rio Grande do Norte dizendo que basta abrir leitos. Não basta. É preciso aumentar o isolamento social rigorosamente”, declarou.
Especialistas vão na mesma direção. O infectologista Bruno Ishigami diz que não é suficiente criar vagas sem medidas efetivas de restrição.
Ele ressalta que a ausência de quarentena rígida, atrelada a novas variantes do vírus, contribuiu de maneira determinante para a força da segunda onda, que também atingiu com mais gravidade os pacientes mais jovens.
Ishigami lembra que os jovens representam parte significativa da população economicamente ativa. “É uma população que se expõe a mais riscos.”
As informações são da FolhaPress