Maria José Rocha Lima*
Há 35 anos, o escritor Jorge Amado recebeu os aplausos mais longos da história da Bahia, de agradecimento dos professores pela cara e honrosa mensagem de apoio à categoria em greve.
Foi de pé por três mil professores, durante dez minutos.
Eu havia experimentado o peso, o compromisso do escritor, antes da assembleia de professores, quando recebi uma ligação, na Associação dos Professores Licenciados da Bahia APLB, da qual era presidente. Era da residência de Jorge Amado, perdi a fala. De tão emocionada, só ouvi alguém informando que ia passar a ligação. Eu só ouvi aquela voz grave: – Como vai, professora Maria José? Estou encaminhando uma mensagem de apoio à justa greve dos professores baianos. Eu, sob tão forte emoção, só pude falar: Oh! muito obrigada, Jorge Amado! O agradecimento veio mais tarde, na assembleia com três mil professores, no Cine Nazaré e espalhados na Praça de Nazaré, quando eu anunciei que tinha em mãos uma mensagem e mostrei para eles o telegrama de Jorge Amado. Quando ia começar a lê-lo, começavam os aplausos e não paravam; a agitação foi tão grande, eram tantos os aplausos, tantos comentários paralelos e felizes, no auditório, empurra-empurra dos que estavam do lado de fora do cinema, por falta de assento, que reclamavam não poder ouvir a leitura, que nem conseguíamos ler o telegrama e dar continuidade à assembleia. Afinal, não era normal autoridades como Jorge Amado, o maior escritor do Brasil, com tradução das suas obras para 49 idiomas, se dirigirem a professores pobres, propositalmente desvalorizados pela avassaladora maioria das autoridades federais, estaduais e municipais. Foi preciso por ordem, aos gritos: colegas, colegas, vamos ouvir a mensagem, nada de confusão de vozes, deixem os aplausos para depois da leitura. Os colegas foram se acalmando, eu pedindo silêncio e lendo, emocionada e honrada, a mensagem do grande escritor:
“A verdade, indiscutível, é que as professoras baianas ganham um salário de fome, absurdo de tão miserável. Toda luta para terminar com tal situação é justa e merece inteiro apoio. É preciso remediar com urgência tamanha injustiça”.
Aí foi que o Teatro do Cine Nazaré veio abaixo, aplausos, os professores, emocionados, aplaudiam sem parar. Houve quem contasse a duração dos aplausos, durante 10 minutos, à mensagem do grande, do maior escritor da Europa, França e Bahia, como Jorge Amado e os seus grandes amigos Carybé e Pierre Verger gostavam de tratar as relações dos baianos com o mundo. Pediram para reler, porque os que estavam no fundo do auditório não conseguiam ouví-lo, e a professora Marinalva Nunes comandou a releitura, com as palavras sendo repetidas até o meio da rua.
E prosseguimos:
“A verdade, indiscutível, é que as professoras baianas ganham um salário de fome, absurdo de tão miserável. Toda luta para terminar com tal situação é justa e merece inteiro apoio. É preciso remediar com urgência tamanha injustiça”.
Mais e mais aplausos, quase não conseguíamos dar prosseguimento aos trabalhos da Assembleia de Greve. E o sentimento que experimentei foi o de que nunca os professores baianos sentiram – se tão valorizados, pareciam sair da greve para entrar para História da Bahia.
Depois daquela mensagem, os corações arderam em brasa e a greve pegou fogo, até que o governador, que estava intransigente, nos recebeu para negociar as reivindicações.
*Maria José Rocha Lima Mestre e doutoranda em educação.Psicanalista filiada à Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise -ABEPP.