quinta-feira, 31/07/25
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O ser humano na solidão: liberdade, loucura ou perigo?

Ilustração gerada por IA

 

Miguel Lucena

Quando o ser humano se vê só, sem olhos que o observem, sem julgamentos sociais, algo profundo se move em sua alma. A solidão, mais que estado, é um espelho que devolve o que o convívio disfarça: angústias, delírios, sonhos proibidos, medos primitivos. É na ausência de plateia que o indivíduo revela nuances de sua verdadeira natureza — às vezes belas, outras vezes perturbadoras.

A psicologia já nos alertou: o olhar do outro funciona como freio moral. Freud falava do superego como instância reguladora dos impulsos. Quando ninguém vigia, esse controle pode se afrouxar. Daí nascem atitudes imprevisíveis — que variam da genialidade ao surto.

A filosofia existencialista também nos oferece pistas. Sartre dizia que “o inferno são os outros”, pois é na presença deles que somos forçados a representar papéis. No entanto, sem esses “outros”, muitos perdem o chão. A liberdade radical pode ser insuportável. Libertos das máscaras sociais, alguns se despem da razão.

A sociologia, por sua vez, entende o indivíduo como um ser de papéis: pai, trabalhador, amigo, cidadão. Sozinho, ele abandona esses papéis, e, muitas vezes, junto com eles, perde também o senso de pertencimento. O isolamento prolongado não apenas entristece — ele desorienta. Sem rotina, sem contato, sem toque, o ser humano corre o risco de se desumanizar.

Isso não significa que toda solidão seja nociva. Ao contrário: ela é, muitas vezes, necessária para reflexão, criação e autocura. É na solidão que se escreve, se reza, se reencontra. Mas quando ela deixa de ser escolha e se transforma em clausura, o risco se instala.

Historicamente, não são poucos os casos de violência e loucura nascidos no isolamento. Pessoas que, excluídas ou esquecidas, se radicalizam em ideias de ódio, vingança ou transcendência. O quarto escuro pode ser oficina de arte ou de delírio. A diferença está na saúde da mente que ali habita.

Portanto, é preciso olhar para os solitários com empatia e atenção. Aquele que hoje fala sozinho pode estar apenas criando um poema — ou pedindo socorro. A fronteira entre o eremita e o desajustado é tênue. E muitas tragédias poderiam ser evitadas com um simples gesto: escutar, visitar, convidar para um café.

Porque, no fundo, o que salva o ser humano da própria escuridão é o outro — e a palavra que o chama de volta.

 

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