Esta crônica, pernóstica, a cara do autor, era para ser “O rebucetê de Jorge Amado e o circuncisfláutico de Mário de Andrade e de Jô Soares”. Queria, já no título, botar um trio eclético, essa santíssima trindade da cultura nacional, a fim de atrair o amigo ou a amiga para a leitura.
Convenhamos, porém, que ficaria um título mais longo que suspiro em velório, mais comprido que trova de gago — então deixei assim, com dois substantivos, dois artigos e uma conjunçãozinha no meio.
E essas duas palavronas? A primeira, rebucetê, só pode ser palavra de baiano, enquanto circuncisfláutico parece coisa de carioca, embora ambas estejam aí para quem quiser usar.
Palavras, criaturinhas livres, viajam, correm mundos, rasos e fundos. Andam até mesmo, veja só, em lombo de cavalo — como as de Guimarães Rosa, por exemplo. E se espelham feito formiga, e se propagam por bocas, telinhas, telonas, livros, celulares, computadores, o diabo.
Falando em diabo, que diabo vem a ser um circuncisfláutico? Pelo visto, lido e ouvido, trata-se do moço que parece ter mérito, mas não o tem, o tipo pedante, mas também misterioso, sombrio, sorumbático ou, numa palavra, circunspecto.
O jornalista Ancelmo Gois, sergipano que se fez carioca — e não há nada de mal nisso —, publicou no dia 23 de maio de 2012, em sua coluna n’O Globo, uma nota sobre o palavreado do senador e ex-presidente Fernando Collor. Dizia ele que Collor, na CPI do Cachoeira, estava chamando a atenção pelo linguajar circuncisfláutico.
Quinta-feira, ao justificar a tentativa de convocação de Policarpo Jr, da revista Veja, o homem da Casa da Dinda teria dito o seguinte:
– Não se me acoime de ter comportamento alapado, lançadiço ou rafeiro em relação ao hebdomadário em tela.
O colunista, então, teve que recorrer ao Aurélio, para explicar aos leitores:
– “Acoimar” é castigar. “Alapado” é escondido. “Lançadiço” é desprezível. “Rafeiro” é quem acompanha sempre o outro, como cão de guarda. “Hebdomadário” é semanário, que é o caso da revista “Veja”.
Por fim, Ancelmo explicou o termo que ele próprio usou: “Circuncisfláutico quer dizer rebuscado, pretensioso”. Corro aos pés de São Google e lá vejo um trecho de “O turista aprendiz”, de Mário de Andrade: — Fico meio circuncisfláutico com esses bairrismos.
Já o Jô, Jô Soares, escreveu em “As esganadas”: — A cada passo que dá, vai se metamorfoseando outra vez no circuncisfláutico diretor funerário Aristarco Pedrosa.
E o outro termo, o rebucetê? O que significa? Bem, este fica por conta da arte e do engenho do amado baiano Jorge, que escreveu em Tieta do Agreste: — Osnar sorri consigo mesmo, vai ser uma pândega, um rebucetê.
Com a irreverência que a Bahia lhe deu, Jorge Amado pegou o “rebu”, de rebuliço, misturou-o ao nome chulo do órgão sexual feminino e os temperou com sonoridade afrancesada, criando essa saborosa palavra: rebucetê.
Que, em resumo, significa confusão, farra, algazarra, mas sempre falado ou escrito com uma indisfarçável malícia. Sem dúvida, o rebucetê (que tem a variante rebuceteio), são duas palavras irreverentes, cheias de ironia e galhofa, como o espírito de baianos e cariocas.
(Marcelo Torres é natural de Sátiro Dias-BA, radicado em Brasília, jornalista, especialista em jornalismo literário)