Depois de comemorar uma drástica redução nas novas contaminações e mortes pelo coronavírus, uma série de países — especialmente na Europa — assiste a uma escalada em casos da doença.
Só no Reino Unido, a média de novas infecções diárias é quatro vezes maior do que a registrada em meados de julho, quando os países europeus experimentavam a reaquecer suas economias em meio a um intenso declínio da doença.
De um lado, os novos casos acendem um alerta para a confirmação da temida chegada de uma segunda onda a países que já haviam controlado a doença.
De outro, no entanto, muitos apostam que a retomada não trará consigo uma reedição das cenas dramáticas em corredores de hospitais e cemitérios registrando picos de mortes diárias, como ocorreu em países como Inglaterra, Espanha e Itália.
As razões para uma possível onda mais suave do covid-19 ainda são motivo de intenso debate entre a comunidade científica e não sugerem que as pessoas devam relaxar no distanciamento social ou no uso de mascaras em locais públicos.
Comentários recentes do primeiro-ministro Boris Johnson, do chefe médico interino da Inglaterra, Johathan Van-Tam, e do secretário de Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, ilustram bem o dilema enfrentado por autoridades europeias – que têm recorrido a políticas de confinamento regionais em locais com mais casos.
“Não matem os seus avós”, disse o último aos mais jovens – os quais concentram os novos casos da doença -, apelando para que eles se protejam ao máximo para não contaminarem aqueles com saúde mais frágil.
Van-Tam, por sua vez, disse que a alta nos casos é motivo de “grande preocupação”. A partir do próximo dia 14, reuniões de mais de seis pessoas em locais abertos ou fechados (com algumas exceções) passarão a ser ilegais na Inglaterra. Quem descumprir a regra pagará multa que vai de 100 a 3200 libras (ou de aproximadamente R$ 700 a R$ 22,4 mil).
“Precisamos agir”, afirmou Johnson ao anunciar as novas medidas nesta quarta-feira (9/8).
Em paralelo aos importantes alertas, no entanto, pelo menos quatro indícios sugerem que o reaquecimento da pandemia às vésperas do inverno europeu pode ser menos alarmante do que os números indicam a primeira vista. Confira a seguir:
Pico de casos na Europa foi subestimado
Gráficos mostrando novas curvas de contágio da doença mostram que as taxas de contaminação atualmente têm se aproximado das registradas no início da pandemia em diversos países.
Mas especialistas ouvidos pela BBC chamam atenção para detalhes escondidos por trás dos novos números.
No segundo trimestre de 2020, período de avanço mais acelerado da doença, o acesso a exames de detecção de covid-19 ainda era restrito se comparado aos dias atuais.
Em abril, por exemplo, o Reino Unido registrava uma média diária de 6 mil novos casos. Mas uma estimativa da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres sugere que o número de novos casos no fim de março seria de 100 mil por dia – quase 20 vezes mais que o registrado oficialmente.
Hoje, apesar de ainda não conseguirem mapear todos os casos, os testes estão disponíveis em larga escala na Europa e são acessíveis mesmo em regiões mais isoladas.
Já no início da pandemia, segundo o Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido, apenas 5 de cada 100 casos de coronavírus eram confirmados por exames.
Assim, a ampliação da testagem nos dias de hoje pode oferecer um retrato mais fiel do avanço da pandemia do que o visto no passado.
Hospitais estão mais vazios
O que mais tem chamado a atenção de especialistas em todo o mundo é o fato de que a alta recente no número de casos não tem sido acompanhada por um aumento proporcional nas entradas de pacientes em hospitais.
O mesmo se aplica à proporção de mortes em decorrência do covid-19.
Uma das teorias mais discutidas por médicos e cientistas aponta que o aumento da testagem passou a revelar mais casos brandos da doença – aqueles que não exigem tratamento intensivo e não trazem risco de morte.
Especialistas também sugerem que, como a grande maioria dos casos tem sido registrada entre jovens, a tendência de quadros graves consequentemente se torna menor.
Na Inglaterra, por exemplo, o grupo que tem entre 20 e 39 anos registra mais novos casos que qualquer outro. Ainda não existem explicações definitivas para o fenômeno, mas acredita-se que ele teria origens comportamentais e demográficas.
Os mais jovens são os que mais saem de casa para trabalhar, são os que mais ocupam cargos que exigem interação com terceiros e também são os que mais dividem casas e apartamentos na Europa.
Também são, claro, os que mais têm saído para bares e parques em todo o mundo.
Mas a incidência também pode ter a ver novamente com a testagem. Quando os exames eram mais raros, os jovens eram o grupo menos testado na sociedade.
Hoje, o impacto do coronavirus sobre este grupo teria finalmente “entrado” nas estatísticas.
Medicina está mais preparada para combater a doença
Se no início do ano os hospitais precisaram se reinventar às pressas para responder à pandemia, seis meses depois das primeiras quarentenas os sistemas de saúde parecem mais bem preparados para lidar com o coronavírus.
De lá para cá, milhares de novos médicos, enfermeiros e profissionais de saúde foram incorporados à linha de frente dos sistemas de saúde.
Além de mais pessoal especializado, a experiência de atendimento acumulada no período tem ajudado a medicina a enfrentar o problema – apesar da falta de uma vacina ou de remédios cientificamente comprovados contra o covid-19.
Protocolos de atendimento como o realizado em pacientes com problemas nos rins foram se transformando. Com o tempo, médicos notaram que as indicações imediatas de diálise poderiam tornar a saúde desses doentes ainda mais frágil.
Já procedimentos como a intubação precoce estão pouco a pouco sendo substituídos pela ventilação com máscaras, trazendo menos risco de infecções e uma resposta mais eficiente em alguns casos.
Picos de mortalidade em queda
Os números na Europa revelam taxas de mortalidade bem mais baixas que as registradas no auge da primeira fase da pandemia.
Segundo levantamento do Instituto Estater publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, as mortes hoje na Itália – onde hospitais foram cenário para cenas que chocaram o mundo todo – hoje equivalem a menos de 1% das registradas no pico da doença.
A situação se repete na França, que hoje teria 1,4% do total de mortes registradas no auge da doença, na Alemanha, com 1,6%, e na Espanha, onde a situação é um pouco pior e representa quase 4% das mortes registradas dos piores dias de 2020.
O amplo acesso a exames, novamente, ajuda a entender o cenário: no passado, a tendência é que muitas pessoas tenham morrido em decorrência do covid-19 sem confirmação por testes.
Hora de comemorar?
Guardadas diferenças importantes como a adesão massiva a quarentenas, a alta disponibilidade de exames e o cumprimento estrito de recomendações da comunidade científica, a situação vivida neste momento por países europeus (que enfrentaram pico, queda e agora uma nova escalada) pode ser uma boa referência para o que pode acontecer nos próximos meses no Brasil.
Depois de semanas consecutivas registrando mais de mil mortes diárias pelo covid-19, o Brasil tem visto seus índices caírem em pelo menos 19 Estados.
Na primeira semana de setembro, o país teve recorde de quedas nas mortes por coronavírus – uma média de pouco menos de 700 óbitos diários – ou 26% a menos do que nas semanas anteriores.
Mas engana-se quem acha que os novos numeros são argumento para lotar bares e praias e deixar máscaras e álcool gel no armário.
Quase 130 mil pessoas já morreram e mais de 4 milhões foram contaminadas pela doença no Brasil. Em comparação com outros países, o nível de mortes no Brasil ainda é alarmante.
A recomendação de especialistas se mantém: praticar o distanciamento social, lavar ou desinfetar as mãos várias vezes ao dia, manter distância e proteger os mais idosos são ferramentas-chave para controlar a doença.