Uma falsa moral nos leva a ter vergonha de falar em dinheiro. Até para receber o que lhes é devido as pessoas ficam reservadas, fazem cerimônia, olham para os lados antes de guardar as cédulas no bolso.
Quando comecei a trabalhar em jornal, em 1984, aos 18 anos, o pagamento era feito na tesouraria da empresa, em João Pessoa. Formava-se aquela fila no corredor, recebia-se o salário por um buraco e, de costas, o recebedor enfiava os maços no bolso para ninguém ver as notas.
Na política, usam-se diversos termos para não se fazer referência a dinheiro: estrutura, aprouche, gás, energia, estímulo, incentivo, atenção e apoio.
O candidato passa meia hora falando de ideias e projetos, toma-se café e comem-se pães de queijos, mas há sempre alguém pedindo algo, normalmente dinheiro para o gás, as contas de água e luz, feijão, arroz e farinha.
Nunca se fala diretamente em dinheiro. O interessado se queixa de falta de atenção, de estar sendo abandonado, de estar sem fôlego ou gás, como se fosse um corredor ou um botijão.
Tudo, porém, se move com base no dinheiro. Até para se deslocar de um lugar a outro, precisa-se dele, porque não existe combustível grátis nem barato.
Enquanto os candidatos ricos esperam pelos recursos partidários sob o argumento de que é injusto mexer no patrimônio da família, cabos eleitorais profissionais tentam queimar os assalariados que, buscando uma disputa justa, não contam com dinheiro para lhes suprir a ausência dos milionários.
Quem dera alcancemos uma sociedade avançada em que as eleições se baseiem em ideias e propostas e não no toma-lá-dá-cá dos interesses mesquinhos e das necessidades primitivas.
*Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.