
Miguel Lucena
As estatísticas não deixam dúvida: as cadeias brasileiras estão lotadas de pobres. Segundo o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), mais de 60% dos presos no Brasil são negros, 75% não concluíram o ensino médio e a maioria não possuía emprego formal à época da prisão. Quem visita um presídio não encontra banqueiros, grandes empresários ou herdeiros de fortunas. Encontra jovens periféricos. Seria porque os pobres cometem mais crimes? Ou porque os crimes mais punidos são justamente os praticados pelos criminosos mais comuns?
A explicação de que os pobres são maioria na população e, por isso, também são maioria nas cadeias é insuficiente. Nem todo pobre é criminoso. A questão está na seletividade penal, visível na estrutura do sistema: os crimes contra o patrimônio e o tráfico de drogas — mais facilmente associados às camadas populares — são os mais investigados, denunciados e punidos com severidade.
Por outro lado, os crimes financeiros, fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação tributária, que envolvem cifras bilionárias, têm outro tratamento. A Pesquisa Justiça Pesquisa, do CNJ, mostra que o tempo de tramitação de processos por corrupção ou improbidade administrativa pode ultrapassar 8 anos. Muitos acabam prescrevendo ou resultando em penas alternativas, como multas e prestações de serviços.
A Constituição Federal garante, no artigo 5º, inciso I, que “todos são iguais perante a lei”. Mas, na prática, quem pode contratar bons advogados, influenciar decisões ou adiar julgamentos conhece pouco ou nada da realidade das celas superlotadas.
A prisão, assim, deixa de ser um instrumento de justiça para se tornar um reflexo das desigualdades sociais. A pobreza virou critério informal de seletividade penal. E isso diz mais sobre a estrutura de poder do país do que sobre a conduta dos presos. Afinal, no Brasil, mais perigoso que o crime é ser pobre.