Maria José Rocha Lima*
Conversando sobre memórias dos nossos carnavais na Bahia, Sueli, minha irmã, e eu íamos nos lembrando quase cronologicamente dos carnavais, segundo a nossa participação juvenil.Ela falou de uma incursão solitária atrás do Trio Elétrico de Dodô e Osmar. E as duas não sabíamos que compartilhamos as mesmas experiências, como um rito de passagem, um desafio de se jogar corajosamente no mundo, ou no meio do mundo, aos 15 anos. Bem comportadas, saíamos do Campo Grande até a Praça da Sé, pulando freneticamente, sem nunca sermos importunadas. Ficamos longe dos carnavais durante anos, e Sueli, como sempre criticando a minha falsa baianidade, por nunca ser foliã, lembrou-me que eu me mandava para a Praia de Arembepe, com Carlos Valadares e Loreta. Ficávamos em retiro na casa de veraneio de Lígia Vieira, mas não resistíamos à abertura do Carnaval, com o Bloco O povo Pediu. Desde 1979 que o Povo Pediu saía do Pé do Caboclo, no Campo Grande, e ia se arrastando pela Avenida Sete, cantando marchinhas, ou marchanizando músicas de Milton Nascimento, Chico Buarque, de João Bosco, de Gil, Caetano e músicas de São João. No caminho, encontrávamos antigos amores, militantes, artistas, vizinhos de longas eras. Tudo era motivo para parar, e os que bebiam aproveitavam para tomar mais uma cerveja. Era só alegria, poesia e filosofia. Assim, lentamente, descíamos a Ladeira de São Bento e no alvorecer chegávamos à Praça Castro Alves e aos pés do Poeta, lugar mais sagrado que profano.
O bloco carnavalesco e sãojuãozesco de Salvador, Bahia, como se autointitulam, tem dúvidas sobre a primeira vez que desfilou e, como parte do povo, não tem o registro da data de nascimento.
E por que criaram o bloco O Povo Pediu? Cantam seus fundadores:
“Porque vieram as moças. Que a gente foi para a praça/,Viver o tempo que passa/, Que passa sem se lembrar/. E aí vieram os amantes/. E novamente surgiu a vontade de ir às ruas/, Cantar Buarque, Nascimento e Gil/. Depois vieram as graxeiras/, Prostitutas, marinheiros/, Namorados, camelôs, arruaceiros/, Professores, gigolôs, alcoviteiros/.E fomos fazendo coro/, Forte em cada logradouro/, Crescendo em cada canteiro/. Na avenida principal/, Fomos todos companheiros/ Nesse canto de carnaval/. Porque cantar nos encanta/, Porque esse amor nos uniu/, Porque a força foi tanta, Porque o POVO PEDIU/. Pela paixão na verdade/, Porque é preciso emocionar/.Por pensar na liberdade/, Porque é preciso acreditar/.Por existir nesse tempo/, Por existir neste canto/, Porque no entanto é preciso cantar/, Porque cantar nos encanta”…
Maria José Rocha Lima; Mestre e doutoranda em Educação.Foi deputada de 1991-1999. Preside a Casa da Educação Anísio Teixeira. É dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise – ABEPP.