*Maria José Rocha Lima
Eu havia me comprometido, comigo mesma, a começar o ano de 2021 agradecendo aos que frequentaram a minha vida e dos meus familiares, deixando lembranças inapagáveis de solidariedade e cuidado.
De pronto, lembrei-me do psiquiatra Hoel Mendes, conterrâneo da Bahia, que nos cuidou como um médico do corpo e da mente e ofertando o ombro para nos escutar. Alguém há de dizer: essa é a função precípua de um médico, mas nesses tempos, em que se cobram consultas por minutos, o que deveria ser natural tornou-se raro e humanizante.
O cuidado no dicionário filosófico de Ferrater (1996, p.141), no vocábulo italiano que lhe dá origem, é sorge, que se traduz por cuidado, preocupação, mas na filosofia de Hidegger, na sua obra Ser e Tempo, o autor declara que o cuidado é o ser da Existência. No heideggerianismo é aquilo que torna possíveis as múltiplas existências.
Cuidado foi uma das palavras sobre a qual encontrei muitas e variadas acepções: ação de tratar de algo ou alguém; zelar ou tomar conta de algo ou alguém; preocupar-se com ou assumir a responsabilidade de; dar atenção a; manifestar interesse.
Eu assisti a uma palestra do doutor Augusto Cury, que falava sobre o sentido da vida apresentando um cenário desolador: exatamente quando temos celulares e redes sociais, vivemos interconectados com o mundo e desconectados de nós mesmos, experimentando solidão, depressão, desamparo, insegurança e timidez.
A palestra começou abordando esse tremendo paradoxo: no momento da história no qual o ser humano tem acesso a uma poderosa indústria do lazer, que poderia proporcionar-lhe a mais notável riqueza emocional, assistimos a um encolhimento, a uma terrível redução da alegria, da satisfação, da profundidade e da estabilidade emocional.
Segundo a OMS, há no mundo 1 bilhão e 400 milhões de pessoas que sofrem de depressão. O instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan, nos EUA, estima que daqui a duas décadas serão 3 bilhões de pessoas ao redor do mundo que desenvolverão transtornos psiquiátricos diversos, tais como depressão, síndrome do pânico, bulemia, anorexia etc.
Após a preleção, na qual apontava as causas e saídas, destacando a educação emocional, desde a mais tenra idade; a atenção que precisamos dar à saúde mental; a necessidade de explorarmos o mundo interno, a necessidade de pilotarmos o eu, de gerirmos a nossa mente, as nossas emoções, citou os ensinamentos do Grande Mestre da Humanidade, exemplo de sapiência, mesmo para os que não são cristão.
E aí, de súbito, Augusto Cury foi interpelado por um padre, Irineu, sobre qual seria a parte mais importante do corpo humano.
Cury respondeu que era o cérebro.
Dom Irineu retrucou que era o ombro. E pediu ao ministério de música para cantar “encosta a sua cabecinha no meu ombro e chora”.
O ombro é o que falta à humanidade!
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. É psicanalista e dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira.