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Por Miguel Lucena
Nos sertões de antanho, à luz mortiça da lua cheia, o povo se juntava em volta da fogueira para ouvir histórias de trancoso. Eram contos de papafigos espreitando crianças desavisadas, lobisomens uivando nas encruzilhadas e almas penadas vagando pelos caminhos poeirentos. No meio disso tudo, João Grilo, com sua esperteza matuta, sempre arranjava um jeito de enganar o destino e sair ileso das emboscadas do além.
Hoje, trocamos a fogueira pelo celular, mas as histórias continuam. Só mudaram os protagonistas. Em vez do papafigo, agora há o “monstro comunista” que, segundo dizem, invade as casas à meia-noite para devorar idosos e transformar os netinhos em revolucionários de boné vermelho. O lobisomem deu lugar ao imigrante clandestino, e o saci, coitado, virou hacker de urnas eletrônicas.
As redes sociais são os novos sertões, onde o sobrenatural se espalha com a velocidade do vento. Como João Grilo, cabe a nós separar o que é assombração de invenção. Porque, no fim das contas, as histórias mudam, mas o medo do desconhecido é sempre o mesmo — seja ele o vulto na estrada deserta ou o fantasma da ideologia alheia.