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Zé Euflávio
Que me lembre, do meu tempo de menino, no Principado de Sant’Ana do Garrote, só dois motoristas andavam com aquele boné de Choufer, tipo francês, dos que dirigem para os reis: era Zezé Macena, motorista de Teotônio Neto, e o homem que conduzia o possante carro de Zé Basílio, um Cinca do rabo de andorinha.
Esses carros possantes só chegavam lá no mês de julho, mês da festa da Padtoeira, mas nos outros meses, Zezé dirigia o caminhão do patrão em traje normal, um negro forte e muito boa gente.
Zé Basílio era filho de Dona Naninha e migrou para outra cidade, começando a vender e comprar carros. Ganhou muito dinheiro e era um homem vaidoso, elegante e muito educado, sempre aconselhando seu irmão, Edson, o Jumento Preto.
Porque Deda Aureliano era um rapaz baixinho, negro e muito simpático, que ganhava a vida fazendo favores e lavando os carros dos que tinham carros. Era um homem querido por todos do lugar e gozava de prestígio junto aos ricos, pela forma como os tratava.
Mas, seu sonho era aprender dirigir, tirar a Carteira de Habilitação e se tornar motorista de alguém. Seu Ademar Alvino incumbiu seu filho Aldim, a quem dera um jipe, para ensinar Deda a dirigir. Com um mês estava pronto o motorista.
Com a ajuda do deputado Judivan Cabral, que lhe foi apresentado por Seu Ademar, Deda conseguiu a sua CNH. Agora sua vida iria mudar. E mudou.
Vaidoso, só usava calça de mescla Santa Isabel, tropical, linho azul e tergal. As camisas eram do mais puro linho branco, seda ou as que estavam na moda: as camisas Volta ao Mundo.
E os sapatos? João Bibiano, que tinha uma pequena fábrica de sapatos em Patos, lhe oferecia o calçado por um bom preço. Ele agradecia, elogiava os sapatos de Bibiano e mudava de conversa.
Os sapatos que usava eram comprados em Franca, São Paulo, por Seu Aderbal, motorista do caminhão de Seu Marçal Bernardino, que sempre viajava para as bandas do Sul. Todos os dias lustrava os sapatos. E tinha mais de um par, sempre preto ou aquele marron avermelhado.
Mas, lhe faltava uma coisa: o chapéu de choufer, como os de Zezé Macena e o motorista de Zé Basílio. E um dia, desses dias que a sorte bate à sua porta, o danado do Nego perguntou a Zezé onde se comprava um chapéu daqueles.
Recebeu como resposta: “Qual o seu número?”. “Acho que 38”, respondeu. Quinze dias depois, Zezé vem a Sant’ana, procura Deda e lhe presenteia com o chapéu tão desejado.
Ademar Alvino avisou a Deda que viajaria para Campina Grande na segunda-feira e o motorista seria ele. A viagem mais longa que tinha feito até ali foi a Patos. Ir para Campina, passando pelo posto da PRF e torcendo para o policial lhe pedir os documentos, era tudo até ali. Nenhum policial tinha lhe pedido o documento. E isso o deixava decepcionado.
No dia da viagem, apareceu Deda na casa de Seu Ademar, vestindo uma calça de linho azul, uma camisa azul também de linho, e o chapéu de choufer, numa elegância nunca vista. Luiza Preta passou e exclamou: “Parece São Benedito dirigindo para o Papa”.
Chegaram em Campina e foram procurar hospedagem em um hotel e todos se admiraram com a elegância e a educação do motorista do cliente. Deda realizara seu sonho: era motorista habilitado, tinha mostrado o documento ao policial no posto da entrada para Monteiro, na BR-230, e dirigia para um homem rico e bondoso.
Mas, sempre tem o dia que não deveria constar do calendário, aquele dia morno, de um mormaço enjoativo, um dia ruim. Porque Deda foi a Piancó e Seu Ademar frequentava a pensão de uma mulher, onde ocupava uma mesa e fazia negócios.
A dona da pensão tinha um amante e se deu conta que um dinheiro e umas jóias tinham desaparecido do seu quarto e culparam Deda. Desgosto, voltou para Sant’ana e um dia quando os meninos voltavam do jogo de futebol na várzea de Doutor Djalma, viram um homem se balançando no galho de uma oiticica.
Era Deda que tinha se enforcado. Dizem que o amante da dona da pensão o mandou capar com uma máquina de capar boi. E assim seguem as dores do mundo e ninguém sabe até quando assim será…