Zé Euflávio
Alguém já disse que o verdadeiro dá nascimento ao imaginado. Logo tudo é, então, verdadeiro. Nós contamos dois tipos de histórias: aquelas que são verdadeiras eaquelas que são inventadas. Uma história verdadeira deve parecer uma história inventada e uma história inventada deve parecer uma história verdadeira.
Isso porque, contando ninguém acredita, mas existe um tipo de homem do Sertão que só existe no Sertão, e em nenhum lugar mais do Planeta. São chamados de “aluados”, porque de tão inteligentes, ficam com o juízo mole.
Antônio Izidro era um homem alto e forte, pele sarará, com um bigode vermelho que lhe cobria a parte acima da boca. Andava montando um cavalo branco e morava na Mata do Maracujá, todos os dias passava no Curral Velho para “beber água na casa das Horácio, nos canecos de alumínio mais bem areados do mundo”.
Sempre que passava contava uma história sobre a palavra Horácio. Dizia ele: “Vocês não são dessa família Horácio. Essa família não existe, foi inventada. Vocês são pertencente às famílias Carvalho, Pinto e Sousa. E vou justificar o que digo”, disse, tomando um gole d’água.
— O pai de vocês era Horácio de Jesus Carvalho, meu compadre, que contraiu matrimônio com Maria Pinto de Sousa, a mãe de vocês. Acontece que o povo começou chamar Pedro de Horácio e depois tiraram o “de” e vocês passaram a ser chamadas “as Horácio. Mas, isso é coisa de gente antiga. O bom é viver com opinião — disse e se despediu.
Quando a ignorância andou no mundo, dizem, Antônio Izidro encheu dois “bornais” e não vendeu nem deu uma gota a nenhum cristão da face da Terra. “Só faço minhas necessidades fisiológicas nas Queimadas de compadre Marçal”, orgulhava-se disso e não gostava que descem outro nome ao gesto.
As Queimadas era propriedade de Marçal Bernardino e ficava a seis quilômetros da Mata do Maracujá. Um bom dia, Lucas Teodósio, que tinha o juízo frouxo, estava em frente ao Açougue de Antônio, na entrada da cidade, quando avista Antônio.
— Veja aí, seu Antônio: ali vai um homem opinioso, que só caga nas Queimadas — disse e ouviu o trupé do cavalo por trás. O homem voltou e perguntou: “O que você disse?”
— Eu disse que o senhor só fazia sua necessidade fonológica nas Queimadas — respondeu. Izidro retrucou: “Eu pensei que tinha ouvido outra coisa”, e seguiu seu caminho.
Certo dia sentiu um mal-estar e correu para as Queimadas. Não deu tempo. Na passagem do Riacho do Curral Velho, embaixo de uma oiticica, abaixou as calças e falou: “Faço aqui, mas não é do meu gosto”.
Nas Queimadas, Marçal convidou o amigo para provar do mel do seu Engenho. Izidro machucou metade de um cuscuz num prato e cobriu com mel, mas ficou mole e ele botou mais cuscuz e o prato ficou duro.
Marçal reclamou: “Compadre, use o mel e o cuscuz com cerimônia e pode comer tudo”, pediu o dono da casa. Izidro empurrou o prato e perguntou raivoso: “Compadre, você está com pena do mel ou do cuscuz? Bote isso pra lá e a partir de hoje Antônio Izidro não come mais mel”, disse e se levantou. E não comeu mesmo não.
Izidro fumava um cigarro de fumo brejeiro comprado em Arapiraca, Alagoas, e aos sábados, dia de feira, frequentava a pensão de Dona Zefa de Caldas, onde podia se comer a melhor galinha na cabidela. A casa era lotada de matutos.
O velho acendeu o cigarro de fumo e Dona Zefinha reclamou. Ele jogou o cigarro no chão, pisou em cima e jurou: “A partir de hoje Antônio Izidro não fuma mais e quando Comadre Zefinha morrer, todo mundo na cidade vai fumar cigarro desfiado às custas desse homem que está aqui”, disse.
Morreu e não fumou mais e no leito de morte fez um último pedido ao seu filho Manoel Izidro:
— Mané meu filho cumpra a promessa de Comadre Zefinha, que eu fiz com o Santo, senão ele me castiga.
E morreu como deve morrer um justo. De cabeça erguida e foi sepultado sem lhe atenderem um último pedido. Queria ser enterrado em pé, como os espanhóis antigos. Segundo ele, “para ficar mais perto de Deus”.