Julian Lemos e Sérgio Moro: deslealdade é uma das marcas do presidente Divulgação/Instagram
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O deputado Julian Lemos (PSL-PB), que coordenou a campanha de Jair Bolsonaro à Presidência, foi um dos primeiros a apostar na candidatura do então deputado federal. Os dois se conheceram em 2015, quando Bolsonaro, então deputado pelo PP, foi à Câmara Municipal de João Pessoa para uma audiência pública. A presença do controverso parlamentar gerou confusão e quebra-quebra: representantes indígenas, de movimentos de esquerda e grupos LGBT queriam evitar que ele entrasse no local. A audiência foi garantida por Julian, proprietário de uma empresa de segurança que atuava naquele dia. Não demorou muito para o empresário evoluir de segurança a braço-direito. Era Julian, por exemplo, quem provava a comida de Bolsonaro antes de ele comer – o presidente sempre teve medo de ser envenenado -, quem dirigia seu carro durante viagens, quem preparava a agenda pessoal e cuidava da segurança particular do candidato.
Julian também foi um dos primeiros aliados a ser deixados pelo caminho. O motivo do rompimento não é uma exclusividade: teve influência direta do filho Zero Dois, Carlos Bolsonaro, que passou a acusá-lo de conspirar contra o pai.
Nesta entrevista a VEJA, o parlamentar conta os principais bastidores da campanha de Bolsonaro e dos primeiros meses de governo – como quando o presidente chorou ao receber, em 2017, a primeira ligação do juiz Sergio Moro. Em meio a negociações do governo com o centrão, Lemos revela também que, durante a campanha, Bolsonaro chegou a sentar-se com o mensaleiro Valdemar Costa Neto para discutir a ida ao então PR (hoje, PL).
Confira os principais pontos da entrevista:
Carlos Bolsonaro: ‘sem escrúpulos’ e remédio controlado
“O Carlos Bolsonaro é uma pessoa que não tem escrúpulos. Quando ele te bota como alvo, passa a atacar de forma injusta. Durante a transição, quando o presidente não acatava de primeira algo que o Carlos dizia, ele simplesmente sumia. Desligava o telefone, trocava a senha das redes sociais do Jair e desaparecia. Teve uma vez que ele sumiu e foi para um campo de tiro. Jair entrou em parafuso. Carlos é uma pessoa que tem problemas psicológicos. Eu sei que ele toma remédio. Várias vezes na transição o Carlos disse que iria embora e não voltaria mais. Enquanto o Jair não demitiu o Gustavo Bebianno [ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência], ele não sossegou. E quando o Bebianno saiu, a metralhadora veio para mim.”
Reunião até com mensaleiro
“Se não fosse o PSL, o Jair cairia no PR (hoje, o PL). Eu e o Bebianno éramos uma espécie de procuradores do Jair, que queria a certeza de que não seria vendido no meio do caminho. Tivemos três conversas com o Valdemar Costa Neto. Na quarta, o Jair foi. As negociações não avançaram porque o Valdemar disse que teria de avaliar algumas composições nos estados. Jair disse: ‘Se não ter como resolver, tudo bem’. Levantou-se e foi embora.”
Bivar, o vice-presidente
“O PSL ficou submisso ao Jair Bolsonaro – algo que o PR não iria aceitar. A gente viu quais eram as garantias jurídicas que teria, e o Luciano Bivar [presidente do PSL] cumpriu todas as promessas. Todo o processo foi muito tranquilo. Jair chegou a oferecer a vice-presidência para o Bivar. Disse: ‘Você vai ser o meu vice’. Bivar rejeitou. Eu vi, fui testemunha dessa conversa. Ele também ofereceu ministérios a Bivar, primeiramente o dos Esportes, antes da fusão. Bivar foi extremamente ético.”
Santos Cruz e o boicote às mídias bolsonaristas “
O general Santos Cruz é uma pessoa de personalidade, o que falta às pessoas que hoje trabalham com o presidente. O rei está nu e ninguém diz – porque não tem coragem de dizer. Certa vez o Bolsonaro tentou nomear o sobrinho dele, o Leo Índio. O general Santos Cruz disse que não o faria, porque ele não tinha qualificação técnica para um salário de 15 mil reais. Ele colocava limites, principalmente no entorno do presidente, e isso fez com que ele caísse. Existia uma movimentação para fortalecer canais alternativos – e amigáveis – de mídia, através da Secom, e o Santos Cruz não deixou. Ele foi muito correto – esse é o defeito dele.”
Gabinete do ódio
“O gabinete do ódio, na realidade, não existe como um lugar físico. Eu soube que se tentou implementar uma espécie de gabinete paralelo para formar dossiês e descontruir pessoas – eu, por exemplo, fui vítima disso. Há vários administradores, entre eles o Tércio Arnaud [assessor especial da Presidência] e o Eduardo Guimarães [assessores do Eduardo Bolsonaro]. A página do Hélio Lopes, por exemplo, é administrada por eles. Ali eles arrebentam com qualquer um. Essas páginas, em épocas de campanha, podem fuzilar os adversários deles. Na campanha, eu os vi fazendo memes. Daí mandam para os cabeças e começam a atacar. O pior é que existem pessoas que não têm noção de que estão sendo manipuladas neste sentido.”
Marcelo Álvaro Antônio
“Na transição, não havia nomes com o perfil que Jair queria. Só havia a certeza da nomeação do Paulo Guedes, Sergio Moro, Augusto Heleno e Tarcísio Gomes. O restante foi chegando na hora. Quem primeiro citou o nome da Damares [Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos] fui eu, a conheço há muitos anos. Eu também trabalhei muito pelo Marcelo Alvaro Antonio [ministro do Turismo indiciado pela Polícia Federal] – e ele próprio sabe do trabalho que eu fiz para que ele fosse ministro. É uma grande dúvida o por quê de ele não ter sido demitido.”
O primeiro contato com Moro
“Eu estava presente na primeira vez que o Jair falou com o Sergio Moro por telefone. Foi depois de um episódio em que o Jair encontrou Moro no aeroporto e ele não o cumprimentou. Passou direto e o Jair ficou no vácuo. Foi totalmente ignorado. A imprensa estava lá e registrou o episódio. Ele entrou arrasado no avião, ficou no chão, decepcionado. Quando estávamos em Parnaíba (PI), o Moro ligou. Disse que foi um mal entendido e que não o tinha visto. Moro, naquele momento, era o pop star do Brasil. Jair ficou tão feliz que chorou.”
O famoso dossiê da ‘suruba gay’
“A verdade é que o príncipe Luiz Phillippe de Orleáns e Bragança não foi vice por decisão do presidente. Eu estava na casa do Bebianno quando o Bolsonaro ligou para ele. Era por volta de 5h. Ele dizia que o vice não seria mais o príncipe, e o problema é que a gente já tinha comunicado o nome dele ao TSE. O Bolsonaro alegava que o Mourão seria uma espécie de garantia que ninguém o mataria ou o derrubaria. Caso alguém fosse tentar fazê-lo, ia pensar duas vezes porque ia sobrar o Mourão, que era ‘dureza’. Existia essa ideia que iriam impedir a candidatura dele de um jeito ou de outro. O tal vídeo da suruba nunca apareceu. Quem informou essa história de dossiê a mim e ao Bebianno foi o Jair Bolsonaro. Ele disse que um amigo delegado federal o informou sobre isso. Nunca partiu do Bebianno.”
O preço da ingratidão
“Não é possível ter tanta ingratidão por pessoas como nós. Fui escudeiro dele até o final. Há três, quatro anos, eu chegava nos lugares e encontrava voluntários para ajudá-lo. Sempre chegava um ou dois dias antes nos estados para montar tudo e preparar a segurança. Dirigia para ele, o assessorava, e durante muito tempo a agenda era feita exclusivamente por mim e repassada ao gabinete dele. Eu era o 01. Eu provei muita comida dele antes comer. ‘Prova aí, Paraíba’, ele dizia. Eu provava mesmo. Água ele só tomava se fosse da minha mão. Se alguém desse alguma coisa, ele não comia. E eu acreditava mesmo que podia ter alguma coisa contra ele. O Jair já chegou a me avisar: ‘Paraíba, tu tem risco de morrer, como eu tenho’. E tinha vezes que a gente ficava com medo mesmo, porque não tinha estrutura nenhuma. Depois chegou o Bebianno, que teve uma participação única. Foi ele quem tratou dos processos no Supremo e viabilizou a candidatura, chegando a falar pessoalmente com ministros.”
A marca de Bolsonaro
“Talvez as pessoas não enxerguem, mas esse sinal de deslealdade do presidente vai ser uma das marcas dele. E isso vai voltar para ele em algum momento. O volume de pessoas que foram traídas é grosso. E a indignação delas com esse tipo de atitude é profunda demais. São generais, amigos, pessoas que ajudaram de alguma forma e tinham ligação com ele. E ele não tem misericórdia dessas pessoas. Deixa a má fama pegar. Da última vez que estive com ele, não reconheci. Está diferente até no jeito de falar. Quando a gente planta algumas coisas, o universo entende o recado. De alguma forma ou de outra, a angústia que o Jair gerou nessas pessoas vai se dirigir a ele. Mas o presidente fez um pacto com o Brasil, mas se resume à família. Ninguém mais importa.””
(Conteúdo VEJA)