
Miguel Lucena
A sala de audiências estava quente. Não quente de calor, mas daquela expectativa densa, típica de um bom embate jurídico. No canto direito, o juiz, um homem pragmático, digitava algo no computador, talvez um pedido silencioso para que o tempo corresse mais rápido. No centro, a promotora olhava fixamente para a ponta da caneta, como quem pondera se a arremessa ou não.
E, no canto esquerdo, lá estava ele: Dr. Epaminondas Filogônio de Alencar e Souza. Causídico dos mais empolgados, versado em todos os latins possíveis e dono de um vocabulário tão rebuscado que faria um dicionário entrar em crise existencial.
O juiz suspirou.
— Doutor, pode prosseguir.
Epaminondas ajeitou a beca, pigarreou e deu um passo à frente.
— Vossa Excelência, data maxima venia, permito-me adentrar às intrínsecas sendas hermenêuticas que regem a presente querela, cuja urdidura normativa não pode ser obliterada pela simplificação temerária do direito!
O juiz arqueou uma sobrancelha. A promotora fechou os olhos.
— O senhor poderia ser mais direto?
Mas Epaminondas não conhecia essa palavra.
— Certamente, Excelência! O que quero expor, com a devida parcimônia e reverência, é que o fumus boni juris encontra respaldo inelutável na jurisprudência pátria, mormente quando cotejado com a hermenêutica teleológica, aliada ao caráter eminentemente assecuratório do periculum in mora, circunstância esta que, por sua vez, demanda urgência em detrimento da natural morosidade judiciária!
O juiz piscou. O estagiário do cartório, no fundo, engoliu uma risada. A promotora já fazia rabiscos no canto da folha, distraída.
— Doutor, o senhor quer dizer que tem pressa?
Epaminondas se inflou de indignação.
— Mas Excelência, veja bem! Não se trata de mera pressa, mas de um clamor irrefutável pela celeridade da persecução penal, visto que a dilação processual poderá redundar na frustração do desideratum punitivo!
O juiz apoiou o cotovelo na mesa e o queixo na mão.
— Entendi. O senhor quer que isso seja resolvido rápido para evitar que o réu fuja?
Epaminondas, agora mais animado, apontou o dedo para o juiz, como quem diz “exatamente isso, Excelência!”
— In totum, Excelência!
O juiz suspirou fundo e virou-se para a promotora.
— Doutora, alguma objeção?
A promotora olhou para o advogado e, segurando o riso, respondeu:
— Não, Excelência. Até porque, sinceramente, não sei se eu objetei e não percebi.
Risos no fundo. O juiz fez anotações e decretou:
— Pois bem, decisão proferida. Doutor Epaminondas, sugiro que, na próxima, tente ser um pouco mais objetivo.
Epaminondas fez uma reverência com a cabeça.
— Certamente, Excelência. Serei mais parcimonioso na verborragia.
O juiz se segurou na mesa e murmurou:
— O que eu fui arrumar…
E a audiência seguiu, entre parágrafos e parágrafos de um idioma que só Epaminondas compreendia.