O maestro Zé de Minininha perdera o sono e o apetite. Bolava na cama, levantava, saía para o terreiro e ficava a fitar o horizonte na ânsia de encontrar uma solução para o seu problema.
Assinara contrato com a Prefeitura de Água Branca para tocar a festa de São Pedro, contrato gordo que lhe daria uma folga nas gastanças e agora o problema: como tocar sem cantor?
Bibiu adoecera das amigdalas, logo agora, às vésperas da festa, em cima da hora, sem dar tempo para achar um cantor novo, tão bom ou ao menos parecido com o enfermo.
Por mais que buscasse, não tinha jeito de encontrar.
E assim o dia amanhecia, a festa seria amanhã.
Bicudo Massaroca, emérito tocador de pandeiro, recebeu uma luz:
– Chama Cotôco!
O craque da bola, Cotôco, jogador de futebol como igual jamais apareceu, também cantava? Zé não sabia. Bicudo garantiu que o rapaz era entoado, precisava apenas de dois ensaios para entrar no ritmo.
Sem ter outro jeito, Zé de Minininha aceitou o ingresso do filho de Maria Bandeira no Conjunto Os Rebeldes, pelo menos até a recuperação do cantor oficial.
Convite feito, convite aceito.
Cotôco fez um ensaio geral, deu pro gasto, foi aprovado e, sem mais problemas logísticos a lhe atormentar o juízo, Zé fretou a Veraneio de Zé Rosas e lá se foi a banda animar o já famoso São Pedro de Água Branca.
A cidade, administrada por um prefeito apoiado por Nominando Diniz, apagava as chamas da última campanha, na qual imperou a rivalidade e a violência.
O clube da festa parecia um comitê eleitoral. Tinha retrato de político pregado nas paredes, no palco, em toda parte. E, em destaque, a foto do velho Nominando Diniz, patriarca da família Diniz em Princesa e chefe político da região, que perdera a última eleição de prefeito para Gonzaga Bento.
E foi nesse clima que a festa começou.
O cantor até que se comportava bem. Cantava uma música e ia lá no fundo do palco tomar uma lapada para burlar a timidez.
E de lapada em lapada foi se animando, gostando da festa, até piruetas fez no palco.
Lá pras tantas o conjunto tocou a introdução de famosa marchinha e Cotôco não contou conversa:
Ai, Nominando
Estás perdido nessa eleição
E te diremos
Que em Princesa tu não ganhas não.
Os dançarinos pararam, espantados.Zé de Minininha tirou o saxofone da boca sem entender. Chico de Mourão arregalou os olhos, Zé de Bezeca deixou a chapa escapulir da boca e o prefeito, vermelho, se levantou da mesa e caminhou para o palco.
Sem perceber nada, Cotôco partiu logo para a segunda estrofe:
Cadê a tua coragem
Com essa tua tremedeira
Cadê a tua votação, Nominando
Cadê o pessoal da Cachoeira!
Era a música do pessoal de Gonzaga Bento em comemoração a vitória ainda não curtida pelos amigos do derrotado.
Alguém disparou um tiro lá do fundo do salão. O prefeito jogou uma cadeira em direção ao conjunto. A correria foi geral. A festa acabou. E durante dois dias os familiares, após intensas procuras, encontraram membros do conjunto perdidos nas capoeiras de Água Branca.
Quanto a Cotôco, bem, esse deu um pique pela estrada, desceu a Serra de Juru e foi encontrado em Serra Talhada, no Pernambuco, já fazendo o percurso de volta para Princesa.