Zé Euflávio
Sorte têm os nascidos no Sertão, porque Severino Pinto de Sousa, um senhor galego, sorridente e bondoso, era o dono das terras do Curral Velho, onde montou um Engenho de moer cana-de-açúcar para produzir uma rapadura mais doce do que o manjá que os anjos comeram.
Era chamado por todos de Nino e criava muitos animais – gado, cabras e bodes, carneiros e ovelhas, e também um lote enorme de éguas, cavalos, jumentos e burros. Sim, e um casal de pavão, que adorava se exibir.
Mas, as vacas pé duro estavam dando pouco leite e alguém recomendou melhorar a raça, misturando com gado de melhor porte e lhe indicaram a cidade de Tabira, em Pernambuco, onde tinha uma feira de gado muito boa.
Nino chamou o vaqueiro Marçal Marcelino, que conhecia de gado, selaram os cavalos e seguiram para Tabira, subindo a Serra do Saco até a cidade de Tavares, rumando para Água Branca e depois Tabira.
No dia seguinte foram à feira e Nino tinha planos de comprar um touro reprodutor e umas oito vacas. Começaram andar pelos currais e logo Marçal viu um toreco castanho, de boa carcaça e recomendou: “Seu Severino o touro é esse”.
O dono do animal chegou e o touro foi comprado junto com mais oito vacas. Mas, o dono do gado ofereceu uma vaca amojada de seis meses. Ofereceu por um preço bom. Nino raciocinou e viu que estava pagando por um animal e levando dois.
— Só tem um problema. Eu vou lhe explicar para o senhor voltar, porque lhe vejo como um bom comprador. Essa vaca já matou dois vaqueiros e não produz leite nem para manter o bezerro vivo. Mas, todo ano me manda uma cria — disse.
A vaca foi comprada e começaram a viagem de volta. Dois dias de caminhada a passos de gado manso. Ao chegar, botaram o gado no curral e três meses depois a vaca que matou os vaqueiros pariu uma bezerra linda. Nino botou seu nome de Miúda. Ela cresceu bebendo leite na mamadeira e pouco tempo depois virou novilha, braba igual siri na lata.
Terminado o inverno, o gado era levado para as terras de Doutor Djalma, mas antes um chocalho foi colocado no pescoço de Miúda, para facilitar sua localização. Seis meses depois, o gado era trazido de volta, mas Miúda não veio.
No ano seguinte a mesma coisa: Miúda não apareceu. Zé Barbosa era um velho rezador muito afamado, curador de bicheira pelo rastro do animal. Nino o contratou e o velho rezador foi à procura da novilha e não escutou nenhum chocalho, mas achou tudo misterioso, estranho. Voltou e contou o que viu.
Nino contratou os melhores vaqueiros para trazer a novilha de volta e Marçal Marcelino, Abílio, Pedro Passos e Zé Joaquim partiram para o mato e encontraram Miúda. Pegaram, botaram a careta e descobriram duas coisas: Miúda estava prenha e o chocalho tampado com folha de marmeleiro. Começou o mistério. Só podia ser arte do diabo.
Já no Curral Velho, Miúda pariu um bezerro preto e quando Antônio Marcelino chegou na porteira do curral viu que o filhote tinha os olhos de fogo. O bicho riscou o chão com a pata, deu um berro e pulou a cerca, e encantou-se.
Um ano depois, Miúda morreu envenenada com tingui. Um touro preto, dos olhos de fogo, começou aparecer na Serra do Cruzeiro. Paca Silva morreu jurando que o viu e até atirou nele. “Mas, a bala se desmanchou no ar antes de atingir a cabeça do animal.
Todas as noites de escuro, em setembro, uma vaca castanha já foi vista berrando à procura do filho e nas noites de lua cheia um bezerro chora à procura da mãe. Eu é que não duvido.