Maria José Rocha Lima*
A humanidade precisa, como um “canibal”, comer o corpo e o sangue de Cristo, para adquirir os seus dons, suas virtudes, seu extremo amor.
Não tem sido fácil “ao pretenso ser humano” “tornar-se pessoa”, ser verdadeiramente humano, ser o modelo de Jesus Cristo. Por isso, precisamos realizar infinitamente a Eucaristia, comer o corpo e o sangue de Cristo para incorporar os seus dons, virtudes, qualidades, acima de tudo o amor, para vencer o desamor, o egoísmo, a maldade, a guerra.
A guerra da Ucrânia, que completa 53 dias, está aí para nos advertir sobre o quão desumanos são os “ditos humanos”, os ditos civilizados.
O poder extremo do ódio, em detrimento do amor, com as matanças nas duas Grandes Guerras Mundiais, espantou o mundo. No holocausto dos judeus, comandado pelo líder nazista Adolf Hitler, 6 milhões de pessoas foram mortas. Durante o período ditatorial de Stálin, na União Soviética, tivemos os campos de concentração dos comunistas, os Gulags, nos quais mataram 30 milhões de russos de fome, de frio, de exaustão e por execuções. Em tempos mais remotos, houve as escravizações dos povos africanos, nas terríveis travessias do Atlântico, marcadas pela morte, fome, doenças, torturas, separação dos filhos dos seus pais, as esposas dos seus maridos.
A Semana Santa é a maior e mais importante celebração do Cristianismo, segundo Dom Marcos, que celebrou a Missa da Ceia de Cristo do Instituto Hesed. Dom Marcos muito nos ensinou sobre o amor como a identidade Cristã, numa das mais belas e densas homilias das que já ouvi. Aqui, tentarei reproduzi-la em parte, porque é muito educativa, não apenas para os cristãos, mas para todos os que pretendem se “tornar pessoas”.
Na Quaresma Cristã, meditamos nas palavras de Cristo, choramos, nos arrependemos dos nossos pecados, cantamos e louvamos, mas principalmente revivemos a Paixão de Cristo, que morreu por um amor incompreensível, misterioso e extremo à humanidade. Os incrédulos hão de constatar que a história da humanidade foi marcada pelo profundo gesto de amor de Jesus Cristo. E assim concluir que, queiramos ou não, é a história dividida em antes de Cristo(a.C) e depois de Cristo (D.c).
Durante a Semana Santa, que começa com o Domingo de Ramos, uma caminhada do povo judeu e seguidores de Jesus Cristo nos faz lembrar o quanto somos um povo frágil e peregrino. Os ramos que levamos para casa simbolizam que neste mundo nos é dada a oportunidade de construção de uma morada, “uma palhoça” efêmera, uma tenda, que a qualquer momento poderá ser desmontada, lembrou o sacerdote. A Ucrânia nos serve de exemplo: da noite para o dia tudo foi destruído, prédios foram abaixo, famílias separadas e devastadas pelo ditador russo.
A entrada triunfante de Jesus em Jerusalém nos faz meditar sobre os benefícios recebidos de Deus com a libertação dos judeus dos jugos a que foram submetidos pelos antigos faraós do Egito; pelo imperador Nabucodonosor; pelo rei Dario, da Pérsia; pelo rei Antíoco IV Epifânio, da dinastia Selêucida, considerado pelos judeus como uma figura do anticristo.
Ao longo da Semana Santa, Jesus foi preparando os corações dos que o seguiam para o Tríduo Pascal: três dias de liturgias carregadas de significados, de profunda espiritualidade que antecedem a Páscoa. De quinta para sexta-feira, ele vive o amor, a traição, a paixão; de sexta para sábado, a morte, o silêncio, a escuridão; de sábado para domingo, a ressurreição, a esperança, para toda a humanidade.
Na Quinta-feira Santa, Jesus reúne os amigos para a sua despedida solene, para instituir uma liturgia perpétua: a missa. Os amigos são os seres mais preciosos, fazem bem à alma. Nos consolam na tristeza, na angústia, na agonia impensável. E deixa com eles um legado, para que seja transmitido de geração a geração, até a Sua volta. Naquela Ceia Jesus nos dá o mandamento do amor (manda amar, um amor que não é sentimento, pois ninguém manda nos sentimentos dos outros, muitas vezes perdemos o controle dos sentimentos. Esse amor é um mandamento, uma ordem, diferentemente de sentimento, é uma decisão de amar. O Amor é a identidade Cristã. E o amor nada vale sem a ação, sem o serviço.
No Memorial do Lava Pés, Ele lavou e beijou a parte mais imunda dos nossos corpos. Ele tira o manto e como escravo ou como mulheres e crianças judias, àquela época, mostra que é sendo o menor de todos que podemos nos fazer grandes. Jesus de volta à mesa mantém o avental porque o serviço continua até a execução final na Cruz. Por isso, Ele diz: tudo está consumado.
Jesus nos conduziu num passo a passo do único projeto de salvação da humanidade, que é aquele que tem como único fundamento e caminho o amor extremo ao ser humano e a prestação de serviço de uns aos outros. E no sacrifício da cruz, Jesus leva ao extremo o mais profundo amor a todos nós.
Na Eucaristia, ganhamos a força do amor de Cristo, segundo São Paulo na Carta aos Felipenses. Ao instituir a Eucaristia Jesus oferece um instrumento para que tenhamos, todos, os mesmos sentimentos Cristãos: “Todo o que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”.
Em muitas culturas antigas o canibalismo humano era praticado, muitas vezes, nas guerras intertribais pela crença de que ao comer partes do corpo de outra pessoa você poderia adquirir as suas virtudes, potencialidades e qualidades. Guardando todas as proporções, a imensa distância entre o humano, o sutil e o divino, nós ao consumirmos o corpo e sangue de Cristo, por nós assassinado, pelos nossos pecados, desejamos adquirir todas as suas virtudes, potencialidades e a santidade.
A conclusão é que o amor é a esperança! Só amando uns aos outros teremos um novo mundo, uma nova criação, vida após a morte.
Ressuscita – nos, Senhor!
MARIA JOSÉ ROCHA LIMA é mestre em educação e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista e dirigente da ABEPP. Coordenadora do Programa Sonhe Realize, do Soroptimist International – SI Brasília Sudoeste.