Miguezim de Princesa
I
Diz a lei que o aborto
No Brasil é proibido,
Mas na regra há exceção
E foi estabelecido
Que em caso de estupro
O aborto é permitido.
II
Também não se pune aborto
Quando o médico, no instante,
Faz o exame e constata
Que o risco é grande adiante,
Não encontra um outro meio
De salvação da gestante.
III
É o Cento e Vinte e Oito
O artigo do CP:
Quando ele faz exceção,
Dita uma regra pra valer,
Não é para interpretar,
Tá explícito, pode ver.
IV
É o caso da criança
De 10 anos de idade,
Vítima de um tio pedófilo
(O retrato da ruindade),
Que a estuprou desde os 6,
Inundando-a com a maldade.
V
Com base na lei penal,
Que está a vigorar,
A Justiça decidiu
E mandou executar
Que a menina estuprada
Podia, sim, abortar.
VI
Foi então que algumas pessoas,
Usando a religião,
Chamaram de assassinos
Os doutores de plantão,
E o médico que coordenou
Era a imagem do Cão.
VII
Elas queriam que uma criança
Gestasse outra criança,
Que mal cabia em seu ventre,
E carregasse a herança
Dos horrores dos estupros,
Que exterminam a esperança.
VIII
Quando a barriga crescesse,
A menina lembraria
Das dores que a flagelavam,
Das torturas que sentia,
Quando ninguém lhe escutava
Na escuridão mais fria.
IX
Do peso que suportava,
Do Diabo que lhe oprimia,
Da conivência silente
De quem não lhe protegia,
Da miséria que a cercava,
Na mais sentida agonia.
X
Se Deus permitisse tudo,
Eu pagaria pra ver
E nunca lhe pediria
Pra Ele me proteger,
Mesmo assim arriscaria
Um pedido lhe fazer:
Se a ordem é engravidar,
Pra procriar e nascer,
Dê à menina o direito
De pelo menos crescer.