Até 14 de junho de 2023, governo autorizou a concessão de 11.576 vistos de acolhida humanitária em favor de afegãos. g1 acompanha desde o ano passado a chegada dessas famílias afegãs, que começaram a entrar no país quando o grupo extremista Talibã voltou ao poder.
Afegãos voltam a acampar no Aeroporto Internacional de SP, em Guarulhos — Foto: Fabio Tito/g1
Um novo grupo de afegãos chegou durante a noite de quarta-feira (21) no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, após conseguir vistos de acolhida humanitária.
Porém, sem vaga em abrigos, já são 205 imigrantes que acampam nos corredores do aeroporto à espera de acolhimento. A informação é da ONG “Coletivo Frente Afegã”, que acompanha a situação dos imigrantes desde o ano passado.
Segundo a prefeitura, Guarulhos possui atualmente 177 vagas para migrante e refugiados, sendo 127 geridas pelo município e outras 50 pelo governo estadual. No momento, todos estão lotados.
“Guarulhos tem se esforçado ao máximo para atenuar os problemas enfrentados pelos refugiados que chegam. Criou abrigos e fornece alimentação e cuidados assistenciais e de saúde aos que se encontram no aeroporto. A Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social está em contato com os governos estadual e federal e também com instituições parceiras buscando vagas para acolhimento, mas no momento, não há previsão”, afirmou a prefeitura, em nota.
Aline Sobral é voluntária da ONG e relata preocupação com os acolhimentos dos grupos e da alimentação.
“Ficamos preocupados com o acolhimento feito por conta de regras de abrigos, porque os afegãos têm cultura diferente. Precisam entender isso. Tem um que não deixa levar comida para a casa e uma mulher teve queda de glicemia”, diz.
“A alimentação é oferecida pela prefeitura, porém vai com alguns problemas. Eles têm conhecimento que muçulmano não come porco e tem vindo com carne de porco. Quando não vem, vem sem proteína e umas chegaram estragadas. A gente se preocupa para que o dinheiro público não seja gastado de forma incorreta”, ressalta.
A prefeitura alega que nos abrigos da cidade os afegãos não recebem marmitas, mas insumos para preparem refeições. O Executivo diz ainda que uma vez foi enviada uma farofa com bacon, mas não houve registro de comida estragada.
O governo brasileiro publicou em setembro de 2021 uma portaria estabelecendo a concessão de visto temporário, para fins de acolhida humanitária, a cidadãos afegãos. Um ano após a portaria, a reportagem do g1 conversou com famílias que tinham acabado de entrar no Brasil em busca de liberdade e recomeço.
A política de acolhida humanitária permanece em vigor. Até 14 de junho de 2023, o governo brasileiro autorizou a concessão de 11.576 vistos de acolhida humanitária em favor de afegãos.
Do total de autorizados, 9.003 vistos foram efetivamente entregues aos requerentes, segundo informou o Ministério de Relações Exteriores ao g1.
No ano passado, o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) atendeu 1.035 pessoas afegãs. A maioria era composta por homens entre 18 e 59 anos (490) e mulheres na mesma faixa etária (248). Dessas 738 pessoas, 50,4% possuem formação universitária e 6,5% são pós-graduadas.
‘Cidade fronteira’
A prefeitura de Guarulhos protocolou pela segunda vez um ofício ao Ministério de Portos e Aeroportos para que o município possa ser reconhecido como “cidade fronteira do Brasil” devido à chegada frequente de afegãos ao país desde o ano passado.
O documento foi protocolado na última terça-feira (13) pelo prefeito Gustavo Henric Costa. Outros órgãos, como Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Casa Civil e a Organização das Nações Unidas também receberam.
A expectativa da prefeitura é a de que, sendo reconhecida como cidade fronteira, Guarulhos passe a ter acesso a verbas e a recursos que são característicos de políticas públicas de lugares que recebem e acolhem refugiados, como cidades que fazem fronteira com países que estão em guerra.
Não há países ao lado de Guarulhos, mas a chegada dos refugiados em grande quantidade coloca a cidade em uma situação similar.
“A intenção é reforçar a solicitação de reconhecimento da cidade como fronteira do Brasil e maior apoio financeiro para alimentação daqueles que permanecem no aeroporto aguardando acolhimento”, disse prefeitura.
Sem abrigos, os afegãos passaram a ficar acampados pelos corredores do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. Em fevereiro deste ano, o número de famílias nos saguões chegou a zerar. Contudo, mais imigrantes chegaram nos meses seguintes, o que fez com que o Executivo protocolasse o primeiro pedido ao governo federal em 4 de abril.
“Apesar desta questão não ser de responsabilidade do município, a Prefeitura de Guarulhos informa que segue acompanhando a situação dos afegãos acampados. Inicialmente não dá para se prever o fluxo de refugiados que ainda podem desembarcar em Guarulhos ao longo deste ano. Para acomodar as pessoas que chegam em grande número depende de muitos recursos que extrapolam a capacidade do município, sendo necessário aportes do Estado e do Governo Federal. Na atual conjuntura dificilmente esse número de pessoas no aeroporto será zerado sem a intervenção governamental”, ressaltou a prefeitura, em nota.
Comissão
Para evitar que centenas de afegãos fiquem acampados no Aeroporto Internacional de Guarulhos, assim como foi registrado em 2022, o Ministério da Justiça afirmou no começo do ano que uma nova comissão foi criada para acompanhar de perto a situação dos imigrantes que entram no Brasil.
De acordo com o Ministério, a presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Sheila de Carvalho, passou a liderar a missão de fluxo migratório dos afegãos no aeroporto de Guarulhos com os coordenadores Laís Nitta e Pedro Cícero.
O grupo, além de visitar o aeroporto, fez reuniões com secretários da Prefeitura de Guarulhos e da cidade de São Paulo e, também, do governo estadual paulista.
Afegãos no Brasil
Afegãos no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos — Foto: Fábio Tito/g1
O Brasil passou a ser um dos principais destinos para os cidadãos do Afeganistão após o governo brasileiro publicar uma portaria em setembro de 2021 estabelecendo a concessão de visto temporário.
Quase 3 mil afegãos entraram no Brasil de janeiro a setembro de 2022, de acordo com um relatório elaborado pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) a partir dos dados da Polícia Federal e repassado com exclusividade ao g1 no ano passado.
Os dados apontam que o país recebeu 2.842 imigrantes. Destes, 1846 são homens e 993 mulheres. Outros três imigrantes não houve a constatação de gênero. Além disso, a grande maioria que entrou no Brasil tem entre 25 e 40 anos. Há também 712 crianças de 0 a 15 anos.
Veja o perfil dos imigrantes:
Entrada de afegãos no Brasil de janeiro a setembro de 2022
Faixa etária | Masculino | Feminino | Ignorado |
0 até 15 anos | 377 | 335 | 1 |
15 até 25 anos | 361 | 177 | |
25 até 40 anos | 906 | 340 | 1 |
40 até 65 anos | 184 | 115 | |
Acima de 65 anos | 18 | 26 | |
Ignorado | 1 | ||
Total: | 1846 | 993 | 3 |
Fonte: OBMigra, a partir dos dados da Polícia Federal, Sistema de Tráfego Internacional (STI), 2022
Ainda conforme o relatório, dos 2,8 mil que entraram no país, 149 já saíram do Brasil e a maioria desse grupo tem entre 25 e 40 anos.
A ida massiva de imigrantes para o país da América do Sul ficou mais nítida depois que o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, passou a ser uma espécie de acampamento para famílias afegãs que, em vez de terem acolhimento imediato, precisam esperar dias por vagas em abrigos (leia relatos abaixo).
Saída de afegãos do Brasil de janeiro a setembro de 2022
Faixa etária | Masculino | Feminino |
0 até15 anos | 11 | 11 |
15 até 25 anos | 15 | 7 |
25 até 40 anos | 52 | 13 |
40 até 65 anos | 25 | 10 |
Acima de 65 anos | 2 | 3 |
Total: | 105 | 44 |
Fonte: OBMigra, a partir dos dados da Polícia Federal, Sistema de Tráfego Internacional (STI), 2022
Bebês no chão
Crianças afegãs dormem no chão enquanto famílias esperam acolhimento no Brasil — Foto: Arquivo Pessoal/Swany Zenobini
Imagens feitas pela ativista Swany Zenobini mostram crianças e bebês dormindo no chão do aeroporto na noite do dia 9 de outubro de 2022 junto com suas famílias.
O saguão do terminal virou uma espécie de acampamento para os grupos, que colocam no local bagagens, roupas e colchões doados por voluntários.
“Quando vi a situação no aeroporto, a gente perdeu um pouco da esperança de conseguir algo. Não era para encontrar o povo sem assistência. Mas eu tenho ainda esperança no Brasil de poder trabalhar na minha área no jornalismo. Infelizmente, minha mãe e o meu pai estão no Afeganistão. Por isso, não posso me identificar. Porque, se localizam a minha família, podem oprimir”, disse um ex-apresentador afegão que decidiu morar em São Paulo com a mulher e as duas filhas.
Afegãos que fugiram do regime Talibã e chegaram no Brasil — Foto: Fábio Tito/g1
Outro afegão, de 30 anos, relatou ao g1que era diretor de uma empresa comercial e decidiu vir para o Brasil no começo de setembro depois de ficar oito meses no Irã. Ele também preferiu ter a identidade preservada.
“Os iranianos discriminam diretamente o povo do Afeganistão. Pesquisei na internet que seria uma boa opção vir para o Brasil. O custo [da viagem] saiu US$ 2 mil. Agora, não tenho mais como sair daqui. O dinheiro que a gente investiu foi para vir para cá. Não tenho como ir para outro lugar. Pedimos que o governo brasileiro dê um lugar decente para morar, ensinem português. A gente mesmo vai procurar trabalho. A gente não está em busca de benefícios gratuitos. Precisamos de um lugar decente para viver e aprender o idioma para trabalhar”, relatou, antes de ser informado que seria encaminhado para o Centro de Acolhida.
Afegãos acampados em saguão do aeroporto de Guarulhos — Foto: Arquivo Pessoal/Swany Zenobini
FOTOS: g1 esteve no Aeroporto de Guarulhos no dia 16 de setembro de 2022
Afegãos contam sobre fuga do regime Talibã e vinda ao Brasil — Foto: Fábio Tito/g1
Afegão vai para o Brasil tentar nova vida com a família — Foto: Fábio Tito/g1
Famílias afegãs no Aeroporto de Guarulhos — Foto: Fábio Tito/g1
Famílias afegãs no Aeroporto de Guarulhos — Foto: Fábio Tito/g1
Fonte: g1*