Empresas como Shein e Shopee que cobrarem os tributos de forma antecipada terão isenção do imposto de importação nas transações até US$ 50.
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BRASÍLIA – O plano da Receita Federal para combater a sonegação em compras eletrônicas internacionais começa nesta terça-feira. Batizado de Remessa Conforme, o programa terá adesão voluntária por parte das varejistas, que incluem, por exemplo, as asiáticas Shein, Shopee e Aliexpress. Os sites que aderirem às normas serão obrigados a cobrar os tributos de forma antecipada, no momento em que o produto for adquirido. Hoje, essa cobrança só ocorre quando a mercadoria chega ao País.
Em troca, terão isenção do Imposto de Importação, que é federal e tem alíquota de 60%, nas compras até US$ 50 (cerca de R$ 240). Atualmente, essa isenção só é válida para o envio de remessas entre pessoas físicas. O benefício, porém, não se estenderá ao ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), que é estadual e terá alíquota padrão de 17% nessas operações.
Na sexta-feira, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, e o chefe da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, se reuniram em São Paulo com representantes da Shein. O Estadão apurou que o encontro serviu para passar alguns recados, às vésperas do início do plano. Os integrantes da equipe econômica deixaram claro que as empresas que não aderirem serão fiscalizadas e taxadas, e aquelas que entrarem terão de estar 100% integradas ao novo sistema.
O objetivo do programa é fechar brechas no atual sistema de taxação das varejistas estrangeiras – um dos jabutis tributários existentes no País, como classifica o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Isso porque hoje parte das varejistas fraciona os produtos adquiridos e se passa por pessoa física para aproveitar a isenção existente – deixando de pagar a alíquota de 60% do Imposto de Importação.
O plano inicial da Fazenda previa extinguir por completo esse benefício, até para garantir mais receitas aos cofres públicos em meio a metas fiscais desafiadoras. O anúncio, porém, teve repercussão negativa nas redes sociais e provocou um recuo por parte da equipe econômica. A decisão irritou as varejistas nacionais, que pressionam por mudanças no programa.
Entrega mais rápida e impacto no bolso
Além do foco arrecadatório, a medida também busca agilizar o fluxo das mercadorias e a entrega final aos consumidores. Isso porque os itens que estiverem em conformidade com as novas regras seguirão, após serem escaneados, para o chamado canal verde da Receita Federal, o qual dispensa exame de documentos e verificação física da mercadoria. De lá, serão enviados ao endereço do destinatário.
Já as mercadorias fora dos parâmetros serão encaminhadas ao canal vermelho, e passarão por fiscalização mais detalhada. A depender do resultado da inspeção, poderão ser apreendidas, devolvidas ou liberadas.
“O programa certamente vai melhorar o fluxo e o controle dessas mercadorias, que tiveram um crescimento exponencial nos últimos anos. Hoje, está muito fácil fazer essas compras internacionais, até porque os preços são competitivos”, afirma Renata Elaine Ricetti, coordenadora de pós-graduação de direito tributário da Escola Paulista de Direito.
Dados da Receita Federal dão a dimensão desse mercado ainda pouco conhecido: atualmente, mais de 40 carretas carregadas com produtos de varejistas internacionais saem todos os dias do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, com destino à central dos Correios, em Curitiba, no Paraná.
Para Renata, o novo sistema será mais transparente, deixando claro quais são os impostos embutidos no preço. “É um programa que vai ao encontro dos princípios da reforma tributária, de explicitar o custo da tributação”, destaca.
Ela, alerta, porém, que o cerco à sonegação deverá ter efeitos no bolso do consumidor. “Vai ser mais difícil as empresas darem um ‘jeitinho’ e não cobrar as taxas”, diz, lembrando que, mesmo que haja isenção de Imposto de Importação até US$ 50, o ICMS de 17% sempre será cobrado.
Varejistas nacionais exigem isonomia
Essa isenção de até US$ 50 – feita sob pressão da ala política do governo, que não gostou da reação negativa nas redes sociais – irritou as empresas nacionais, que exigem isonomia na questão tributária.
“Queremos condições iguais. Se as empresas internacionais não pagam tributo em mercadorias de até R$ 240, a não ser ICMS, como vamos competir? A nossa tributação varia de 70% a 110% do valor do produto (a depender da cadeia de produção, já que há cobrança de imposto sobre imposto). Se tiver que importar, esse percentual chega a 120%”, diz Jorge Gonçalves, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).
Ele afirma que a espinha dorsal do programa é boa e permitirá ao governo mapear todo o ecossistema das plataformas digitais – o que amplia o potencial de fiscalização e atuação. Mas se diz inconformado com a isenção que foi dada às transações com pessoas jurídicas.
“Haverá um grande malefício ao setor. Será uma doença silenciosa que vai extinguir milhões de empregos”, afirma o empresário. Nos cálculos do IDV, dois milhões de vagas poderiam ser perdidas, em um período de dois anos, devido ao fechamento de lojas no País.
O instituto vem mantendo conversas frequentes com o Ministério da Fazenda e espera uma solução rápida: “Não pode e não deverá demorar”, diz Gonçalves.
Com Estadão