Especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que preços praticados na venda às distribuidoras caíram pouco e continuam parecidos com os valores de importação.
A nova política da Petrobras para os combustíveis completou um mês neste sábado (17). De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) , a redução é de 1% e 9% nos preços da gasolina e do diesel, respectivamente, na bomba.
Isso porque, segundo especialistas consultados pelo g1, a estatal tem mantido valores muito próximos de sua estratégia anterior nas vendas às distribuidoras.
Nos últimos 6 anos, a Petrobras adotou a chamada “política de paridade de importação”. Isso significa que o preço dos combustíveis vendidos para as distribuidoras no Brasil era determinado pelo custo de importar e trazer esses produtos até os portos nacionais.
A estratégia considerava o valor de cotação do dólar e do barril de petróleo, além dos gastos com transporte, taxas e seguros.
Essa política favoreceu os importadores de combustíveis, que conseguiam competir com a Petrobras. A empresa tem a maior fatia do mercado nacional. Se ela pratica em suas refinarias um preço perto do de importação, os importadores conseguem competir.
Para a Petrobras, isso é vantajoso, já que o custo de importação é maior que o custo da produção nas refinarias.
Mas a política de preços mudou em maio, para atender a um anseio do governo, que quer derrubar os preços dos combustíveis.
Na ocasião, a Petrobras explicou que os seus preços para as distribuidoras estaria no intervalo entre:
- o maior valor que um comprador pode pagar antes de querer procurar outro fornecedor
- e o menor valor que a Petrobras pode praticar na venda mantendo o lucro
Segundo o sócio da Leggio Consultoria, Marcus D’Elia, esse preço tem sido cerca de 5% menor que a paridade de importação, variando ocasionalmente de 3% a 8%. Ou seja, não está distante da estratégia anterior.
“Nesse período, desde o anúncio até agora, esses valores estão variando em torno de 5%. É tipicamente o que chamamos de ‘PPI [preço de paridade de importação] menos’ . Ou seja, não há uma grande variação em relação ao PPI, mas sim uma variação pequena”, afirmou.
E por que isso acontece?
Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Edmar Almeida, a proximidade entre o preço da Petrobras e a paridade de importação se justifica pela estabilidade no preço do petróleo e valorização do real no período.
Ou seja, o dólar baixou em relação ao real. Como o valor do dólar é um fator que encarecia o PPI, quando o dólar cai, o PPI cai também.
“São muitas partes em movimento. Se, por um lado, o preço da refinaria ficou parado, por outro lado, o preço do dólar caiu. O dólar que estava a R$ 5,10 foi a R$ 4,85 e isso ajudou a manutenção da paridade internacional”, disse.
O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sergio Araújo, afirma que o preço da Petrobras “está muito pouco abaixo da paridade de importação”, justamente por conta da valorização do real e pela cotação do barril de petróleo.
No entanto, Araújo afirma que falta transparência na política da Petrobras, o que gera insegurança entre os importadores. “A política de preços é muito vaga, tem alguns parâmetros na composição de preço que não são transparentes, não são claros, isso gera insegurança e consequentemente fragilidades para as operações dos importadores”, disse.
Segundo o professor da UFRJ, a Petrobras não demonstrou a intenção se descolar do preço de paridade internacional, principalmente para o diesel.
É importante lembrar que o preço praticado pela Petrobras nas refinarias, se ficar muito abaixo do custo de importação, pode inviabilizar a atividade dos importadores de combustíveis no país. Cerca de 25% da demanda nacional do combustível é suprida por importações.
Nova redução na gasolina
Na quinta-feira (15), a Petrobras anunciou a redução de R$ 0,13 por litro no preço da gasolina vendida nas refinarias para as distribuidoras.
“Com essa redução, anunciada ontem [quinta], desceu o preço Petrobras e ele está abaixo do PPI [preço de paridade de importação] com um valor um pouco mais relevante que no período desde o último reajuste [que passou a valer em 17 de maio]”, afirmou a pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) Carla Ferreira.
Nos pontos de venda da Petrobras para as distribuidoras, a gasolina está 5% a 8% abaixo da paridade, mesmo com o novo corte, segundo levantamento da Leggio Consultoria.
Mas o professor alerta: “A política não passou por um teste de realidade. O que acontece se há um aumento rápido do preço [internacional]? A Petrobras vai aumentar ou não?”.
Na avaliação de D’Elia, ainda falta saber como a empresa vai reagir a mudanças na paridade internacional, inclusive de eventual redução dos preços de importação para níveis abaixo do preço da Petrobras.
Contudo, o especialista afirma que a nova política é positiva para o país. “Você consegue manter os preços equilibrados em relação ao mercado internacional. Isso torna o mercado de refino no Brasil um mercado estável.”
Retomada dos impostos federais em julho
Na semana de 4 a 10 de junho, o preço da gasolina subiu R$ 0,21 por litro na média nacional e o diesel, R$ 0,17.
Isso ocorreu apesar da redução da Petrobras nas refinarias por causa da mudança na forma de tributação do ICMS, que passou de um percentual por litro para um valor fixo, sendo cobrado em uma única etapa da cadeia.
Na ocasião, a Petrobras não agiu para compensar a alta. Mas, na quinta-feira (15), a companhia anunciou a redução de R$ 0,13 no litro da gasolina, ou 4%.
O corte de preço vem antes de outro aumento de impostos que deve afetar o valor dos combustíveis. Em julho, a cobrança integral dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol será retomada.
Para a pesquisadora do Ineep, a redução da Petrobras pode ser uma medida para compensar o aumento na tributação, que vai aumentar o preço da gasolina para os consumidores na bomba. Os impostos federais passarão de R$ 0,47 por litro para R$ 0,69 por litro a partir de 1º de julho.
Segundo Ferreira, além da reoneração, análises de médio e longo prazo sobre o comportamento do mercado e a cotação do dólar podem ter dado mais conforto para a Petrobras reduzir o preço.
“O preço internacional em si continua sendo uma referência importante, mas não a única”, afirmou Ferreira. A pesquisadora ressalta, contudo, que o período de um mês é curto para entender como a Petrobras vai se comportar em relação à nova estratégia.
Competição com importadores e refinarias privadas
Para D’Elia, da Leggio Consultoria, a diferença no preço praticado pela Petrobras não deve inviabilizar a importação de combustíveis, mas também dificilmente vai estimular a atividade.
O especialista afirma que os importadores independentes, que não estão vinculados a uma distribuidora específica, vão atuar para suprir a demanda que não é atendida pela produção nacional de combustíveis.
“Significa que você terá menos importação, mas ela se mantém no volume esperado no intervalo entre a produção nacional e a demanda esperada. É um número difícil de acertar porque a demanda varia ao longo do tempo, dependendo do aquecimento da economia ou algum outro fator específico”, explicou D’Elia.
Segundo dados da ANP, até março de 2023, o Brasil consome 25,5% de óleo diesel, 12,6% de gasolina e 18,5% de gás de cozinha importados.
Para o presidente da Abicom, importar diesel está se tornando inviável para as empresas que não estão dispostas a comprar produtos da Rússia, embargados e mais baratos.
A Petrobras é a fornecedora de 80% da gasolina comprada pelas distribuidoras de combustíveis. Para o diesel, a parcela é de 74,5%. O restante do mercado é atendido por importações ou por refinarias de petróleo privadas.
Depois da Petrobras, as empresas com maior produção nacional são a Acelen e a Refinaria de Manaus (Ream). As duas são donas das primeiras refinarias vendidas pela Petrobras, na Bahia e no Amazonas.
Segundo D’Elia, as duas empresas têm mais condições de competir com a Petrobras, mesmo que pratiquem preços de paridade de importação. Elas são mais competitivas nas áreas próximas à sua localização por conta de custos menores para transportar os combustíveis produzidos no entorno.
Para o professor da UFRJ Edmar Almeida, a Petrobras não tem condições de competir com as refinarias privadas nessas regiões. “Mas nas outras áreas há uma presença forte da Petrobras concorrendo, então essa incerteza, de se ela vai acompanhar ou não o preço internacional, prejudica sim a concorrência”, afirmou.