As mãos treinadas do consultor Fernando Rodrigues Hiacovvith, de 32 anos, acostumadas à leitura em braile, não foram habilidosas o suficiente para distinguir a recém lançada nota de R$ 200 da velha conhecida cédula de R$ 20. O morador do Distrito Federal é deficiente visual e, na última semana, entregou a nota de maior valor, por engano, ao realizar um pagamento.
“Acabei confundindo ao pagar uma compra de R$ 12. Entreguei a nota de R$ 200, e o rapaz disse que não teria troco. Então, tive que tirar todo o meu dinheiro do bolso para ele me ajudar a identificar a nota de R$ 20”, contou Fernando ao G1.
“”A nota de R$ 200 tem o mesmo tamanho da de R$ 20, é complicado. Tenho que contar com a boa fé da pessoa.”
A queixa do consultor se repete entre outras pessoas com perda total ou parcial da visão. O motivo são as dimensões iguais das duas notas, a de R$ 20 e a de R$ 200 – que começou a circular no dia 2 de setembro. Elas possuem 14,2 centímetros de comprimento e 6,5 centímetros de altura.
Necessidade de inclusão
Devido à falta de acessibilidade, a Defensoria Pública do DF notificou o Banco Central (BC) e a Casa da Moeda para que façam modificações na cédula. Segundo o órgão, a nota “não atende ao critério de diferenciação de tamanhos”.
Ao G1, a Defensoria Pública informou que o pedido, no entanto, “não foi acatado pelo Banco Central” e que pretende recorrer. “A DPDF estuda a medida judicial cabível para contestar essa decisão do Conselho Monetário Nacional”.
“Recebemos a resposta do Banco Central, informando que precisavam colocar as cédulas o mais rápido possível no mercado por conta da pandemia. E que haveria a acessibilidade, já que as notas possuem marcações táteis, embora não tenham o tamanho diferenciado.”
No site da estatal financeira, o banco escreveu que, como a nova cédula possui um formato já existente, “a adaptação aos caixas eletrônicos e aos demais equipamentos automáticos que aceitam e dispensam cédulas seria mais rápida”, e a escolha pelas dimensões iguais foi devido ao “curto espaço de tempo” para colocar a nova nota em circulação.
Para a diferenciação, o BC inseriu barras táteis diferentes das demais notas na cédula de R$ 200, criando um código de três linhas na diagonal, em alto relevo, no canto direito da nota. Além disso, elementos como o número 200 estão destacados no papel.
Diferença tátil
Fernando Hiacovvith perdeu a visão em 2015, aos 27 anos, devido a uma queimadura química, em casa. Desde então, ele é considerado deficiente visual total.
O consultor explica que, por não enxergar, reconhece as cédulas por meio do toque. “O tamanho das notas é gradual, por isso tenho a percepção da dimensão”.
“A nota de R$ 2 é menor, então vai ampliando: a de R$ 10 é um pouco maior, e a de R$ 100 é grande. Eu identifico pelo tamanho, mas as cédulas de R$ 20 e a de R$ 200 ficaram praticamente do mesmo tamanho, dificultando a identificação.”
Em relação às moedas, Fernando traça a diferença por meio de “estrias” que existem nas laterais do dinheiro e sentindo a espessura de cada moeda. “As que a gente confunde mais são as de menor valor: de R$ 0,25 e a de R$ 1”.
Baixa visão
Quem também lida diariamente com os desafios da acessibilidade é a auxiliar de enfermagem Larissa Pâmela Almeida Rodrigues, de 31 anos. Ela tem baixa visão desde os 20 anos, quando perdeu parte do sentido devido às complicações do diabetes.
“Como deficiente visual parcial, preciso de ajuda para ler letreiro de ônibus, ir ao banco e tenho dificuldade em diferenciar algumas cédulas de dinheiro, por serem muito parecidas”, conta.
“Muitas vezes as imagens não são nítidas para pessoas com resíduo mínimo da visão ou para quem tem a deficiência total.”
Assim como para tantos outros cegos, para Larissa, hoje, a dificuldade maior está na diferenciação das notas de R$ 20 e de R$ 200.
“Não há acessibilidade nenhuma, porque ambas não têm um ponto sequer para diferenciar no braile. A única coisa é o alto relevo, que identifica se são verdadeiras ou não.”
Além disso, a auxiliar de enfermagem também costuma confundir as cédulas de R$ 2 e de R$ 100, devido à semelhança de cor. Entre as moedas, ela diz que as de R$ 0,05 e eas de R$ 0,10“são praticamente inacessíveis para uma pessoa com baixa visão”.
Adaptações
Muito além das críticas ao sistema de emissão do dinheiro brasileiro, Fernando e Larissa pensam em proposições para o Banco Central aperfeiçoar a acessibilidade nas notas e moedas.
Entre as propostas, Fernando recomenda a inserção de “estrias” na lateral das notas. “Na nota de R$ 2, seriam duas estrias, na de R$ 5, seriam cinco marcas. Isso facilitaria muito a identificação”.
Já para Larissa, as propostas de acessibilidade devem ir além do interesse das pessoas com deficiência. Ela sugere que o Banco Central, assim como a Casa da Moeda, pensem também em outros meios de auxiliar os brasileiros.
*G1/DF