Maria José Rocha Lima
Certa vez, recebi da amiga psicanalista Maria Elena Rodrigues da Silva a obra Mevitevendo (1977), em que Artur da Távola revela que “um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é o de como o receptor ouve o que o emissor falou”.
Artur da Távola (1936-2008) foi advogado, jornalista, escritor, deputado (1987-1995) e senador (1995-2003). Pela brilhante atuação no Senado, ficou conhecido como o Cronista da Vida. A atualidade de sua obra é evidente, sobretudo nestes dias de “guerras de narrativas”, potencializadas pelas redes sociais.
No Difícil Facilitário do Verbo Ouvir – Mevitevendo, o autor ensina:
1. Em geral, o receptor não ouve o que o outro fala: ouve o que o outro não está dizendo.
2. O receptor não ouve o que o outro fala: ouve o que quer ouvir.
3. O receptor não ouve o que o outro fala: ouve o que já escutara antes e enquadra a fala do outro no que se acostumou a ouvir.
4. O receptor não ouve o que o outro fala: ouve o que imagina que o outro ia dizer.
5. Numa discussão, em geral, os debatedores não ouvem o que o outro fala: ouvem quase só o que estão pensando em responder.
6. O receptor não ouve o que o outro fala: ouve o que gostaria de ouvir ou o que gostaria que o outro dissesse.
7. A pessoa não ouve o que a outra fala: ouve apenas o que está sentindo.
8. A pessoa não ouve o que a outra fala: ouve o que já pensava sobre o assunto.
9. A pessoa não ouve o que a outra fala: retira da fala apenas as partes que a emocionam, agradam ou incomodam.
10. A pessoa não ouve o que a outra fala: ouve o que confirme ou rejeite seu próprio pensamento, transformando a fala em motivo de concordância ou discordância.
11. A pessoa não ouve o que a outra fala: ouve o que se adapte ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
12. A pessoa não ouve o que a outra fala: ouve apenas os pontos de vista que, no momento, a influenciem ou toquem mais diretamente.
Artur da Távola, a quem homenageamos, deixou entre muitos legados “esses doze pontos que mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar.”
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Maria José Rocha Lima é professora, mestre em Educação pela UFBA e doutora em Psicanálise. Foi deputada estadual (1991-1999). É psicanalista filiada à Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise – ABEPP.