*Maria José Rocha Lima
Os que lutamos durante mais de 40 anos pela democracia nos sentimos traídos e envergonhados. O sentimento que toma conta de nós é simplesmente devastador.
Nos últimos anos, já vínhamos assistindo à derrocada das democracias no mundo inteiro. As causas desse declínio decorrem da má governança, do autoritarismo, do populismo descarado, da corrupção desenfreada, do abuso de poder e de uma justiça vergonhosa, que falha todo o tempo, seja não identificando ou tardando em identificar os crimes e punir os criminosos. Isto, quando os membros do judiciário não são os próprios criminosos.
Os sistemas eleitorais são farsas tristes de “sufrágios universais irrisórios”, como dizia o educador Anísio Teixeira. Os partidos, quase todos, são construídos para barganhar dinheiro, sustentando candidatos sem compromisso com os programas, muitos desses financiados por empresas corruptoras, e um número razoável deles oriundos do mundo do crime.
Governos autoritários ou populistas nós já os conhecemos. Eles são contra o militarismo, enquanto fazem desfilar pelotões de pobres soldados empertigados; falam de democracia, enquanto matam milhões de fome, em “trabalhos livres de escravidão”. São governos favoráveis às garantias constitucionais de ocasião, enquanto essas garantias permitem a sustentação dos seus governos, mas são altamente eficientes nas alterações constitucionais, quando perdem a maioria da população. Eles não podem realizar os maiores desejos humanos que são a liberdade, a dignidade e os nossos direitos constitucionais.
No Brasil, outra vez a nós, só restará a luta pela cassação dos corruptos; dos criminosos e governos ilegítimos; lutar pela cassação de todos os partidos envolvidos em corrupção; reduzir o tamanho e os privilégios desse Congresso Nacional viciado; convocar eleições gerais limpas, sem financiamento público ou privado; realizar a aplicação rigorosa da Lei da Ficha Limpa, punindo rigorosamente todos os políticos corruptos.
Não será possível retomar o estado de direto, reformar a política e avançar na democracia brasileira se não forem punidos todos os corruptos. Porque isto é uma afronta à Nação! Não podemos aceitar que a pandemia seja pretexto para sermos governados de fora do país, de forma centralizada; a pandemia não pode virar uma farra para o enriquecimento criminoso de países que barganham com vida das pessoas.
Precisamos de vigilância para impedir que a pandemia não seja manipulada, para servir à corrupção, a exemplo das construções de hospitais de campanha em valores superiores às obras de hospitais não concluídas, ou gastos superiores aos necessários para a conclusão de prédios de hospitais abandonados por todo o país.
É fundamental atentarmos ainda para aproveitamento da pandemia para a invasão da privacidade, um dos passos decisivos para a implantação das ditaduras digitais, já referidas, bem antes da pandemia, pelo historiador israelense Yuval Noah Harari.
É preciso vigilância contra os golpes políticos escusos, daqueles que, sem moral, vêm perdendo as eleições em vários países do mundo, e descobriram uma forma venal, perversa e desumana de abalar as governanças dos países, nos quais perderam as eleições democraticamente.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Deputada baiana de 1991 a 1999. Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira e psicanalista filiada à ABEPP.