Duas babás também relataram à polícia que José Gomes teria ameaçado esposa, sogra e uma das empregadas. Não houve indiciamento
A separação do deputado distrital José Gomes (sem partido) e da esposa, Fernanda Laiane Soares, envolve uma série de acusações registradas na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), processos judiciais, medidas protetivas e até apreensão de armas.
José Gomes e Fernanda viveram juntos por oito anos. O casal tem três filhos, de 2, 3 e 5 anos de idade. Eles se separaram há aproximadamente dois meses e o divórcio milionário está em curso.
A esposa do parlamentar procurou a polícia pelo menos duas vezes, entre abril e maio de 2021, para denunciar violência doméstica e ameaça. Fernanda relatou episódios que incluem também empurrões e xingamentos. Duas funcionárias afirmaram à polícia terem presenciado ameaça de José Gomes contra a esposa, a sogra e uma babá dos filhos do casal.
No último dia 9 de abril, o 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Brasília concedeu medidas protetivas à esposa do deputado. A juíza Bruna de Abreu Färber determinou que José Gomes saia de casa, o proibiu de manter contato com Fernanda e de se aproximar dela por menos de 300 metros. O eventual descumprimento das medidas pode levar à prisão preventiva do parlamentar, segundo a decisão judicial.
Na noite de segunda-feira (3/5), o 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Brasília concedeu medidas protetivas a uma babá dos filhos do parlamentar, em razão da denúncia de injúria e ameaça registrada no mesmo dia. Porém, a decisão foi revogada 48 horas depois, na quarta-feira (5/5).
Em um depoimento dado em abril deste ano e já compartilhado com a Justiça, a esposa do parlamentar disse que, “durante todo o relacionamento, José Gomes apresentou comportamento abusivo e controlador. Com xingamentos, frases depreciativas, bem como situações em que houve empurrões”. Fernanda relatou à polícia que ele a xingou de “vagabunda, piranha, ladra e macaca” na frente dos filhos e dos funcionários da residência onde moravam, no Lago Sul.
Confira trecho do depoimento de Fernanda enviado ao Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) e que embasou a concessão das medidas protetivas: “No dia 07.04.2021, pela manhã, a declarante [Fernanda], ao conversar com seu marido, Sr. José Gomes, sobre contas que tinha de pagar, este passou a lhe insultar de ‘sua vagabunda, não quero mais saber de você, não. Uma piranha, arrombada, estourada’. No período da tarde, o motorista foi prestar contas ao José Gomes e este ficou sabendo que a declarante havia pedido para comprar um queijo para o almoço da Páscoa, momento em que José Gomes gritou e disse ‘você pediu para o motorista comprar os queijos para comer no motel com seu amante’, sendo que a vítima afirma que a fala foi na frente dos três filhos do casal e que é possível que funcionários tenham ouvido, porque José Gomes estava gritando.”
Veja o depoimento:
Fernanda comunicou à PCDF que José Gomes possuía arma de fogo em casa. Diante dessa informação, a corporação cumpriu mandado de busca e apreendeu três armas, todas devidamente legalizadas.
Em depoimento, no último dia 27 de abril, José Gomes alegou que “nunca foi controlador nem abusivo”. O deputado informou que Fernanda “sempre teve conforto” e que ele “sempre deu tudo para a família”. Afirmou também que “as injúrias são recíprocas” e que a esposa “apenas juntou parte da conversa”.
Em relação à denúncia de violência doméstica registrada em abril deste ano, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam I) encerrou o inquérito porque entendeu que não havia elementos para indiciamento do deputado. O relatório final é do dia 27 de abril. O caso foi remetido ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), que decidirá se apresenta ou não denúncia à Justiça. Até o momento, as medidas protetivas concedidas à Fernanda permanecem vigentes.
José Gomes pediu para que fosse decretado segredo de Justiça no processo judicial movido pela esposa, alegando necessidade de preservar a intimidade e o núcleo familiar. No dia 13 de abril de 2021, a solicitação foi negada pelo juiz Marcelo Andres Tocci.
“As condutas descritas que motivaram o presente pedido de medidas protetivas não se inserem dentre as quais é admitida restrição à regra da publicidade, pois os inconvenientes decorrentes da instauração de procedimentos de natureza criminal não são suficientes para afastar referida regra, nem mesmo em favor da suposta ofendida”, escreveu o magistrado.
Em manifestação à Justiça, apresentada na segunda-feira (3/5), a defesa de José Gomes destacou que Fernanda recebe três salários-mínimos de pensão alimentícia e mais 12 salários-mínimos direcionados aos filhos. Ela segue morando na casa do Lago Sul onde vivia o casal antes do litígio.
De acordo com a defesa do parlamentar, o objetivo de Fernanda é financeiro. Os advogados apontam, no processo criminal, que o valor da causa apresentada por Fernanda é de R$ 524 milhões. Segundo a defesa de José Gomes, ela se utiliza indevidamente da Lei Maria da Penha para pedir o deferimento de gratuidade de Justiça no processo cível referente ao divórcio. E que, ela tenta, com isso, esquivar-se de pagamento de custas judiciais e eventuais honorários advocatícios.
Babás
Duas babás dos filhos do casal prestaram depoimentos à polícia sobre supostas injúria e ameaça de autoria de José Gomes. E Fernanda registrou mais um boletim de ocorrência, desta vez, em relação a esses supostos crimes.
Uma das babás que se diz vítima do parlamentar depôs à polícia e o relato foi enviado ao TJDFT, junto com o pedido de medidas protetivas, na segunda-feira (3/5). Ela contou que, em um rancho localizado no interior de Goiás, José Gomes teria olhado, sem consentimento, conversas de WhatsApp dela com Fernanda. José Gomes teria ficado irritado com a situação, ocorrida durante a estadia na propriedade rural, no sábado (1º/5).
O conteúdo das mensagens diria respeito à suposta ofensa de José Gomes a um de seus filhos, de 5 anos. Segundo a versão da babá e de Fernanda, o distrital teria xingado a criança. De acordo com a cuidadora, após José Gomes tomar conhecimento de que ela contou o caso para a mãe do menino, o deputado teria xingado a funcionária de “bandida”, “malandra” e ameaçado ela, Fernanda e a mãe dela, dizendo que “acabaria com suas vidas”.
De acordo com trecho do depoimento, o deputado somente devolveu o celular da funcionária após uma terceira pessoa tirar foto das mensagens. O parlamentar teria ameaçado processar as babás, caso não falassem “tudo” que sabiam, e teria afirmado que elas estariam “na merda”, pois ele “tem dinheiro e três advogados”.
Conforme o depoimento da babá, à noite, o deputado teria praticado tiros com arma de fogo com o objetivo de intimidar as funcionárias. Os tiros teriam sido disparados em direção a lata de alumínio e na presença das crianças.
De volta a Brasília, no domingo (2/5), José Gomes teria pedido para que a babá não o denunciasse, “por amor aos filhos dele”. A mulher contou que gostaria de ir embora, mas o parlamentar teria se recusado a deixá-la ir, por isso, ela aproveitou-se do momento em que o deputado entrou no banheiro para sair “escondida”, pedindo um Uber para ir até a sua casa. Segundo o relato enviado à Justiça, a babá informou que essa não foi a primeira vez que José Gomes a ofendeu moralmente, e que ele já havia a xingado de “doida e maluca, quando estava irritado e com o objetivo de humilhá-la”.
O relato da babá sobre os acontecimentos no rancho foi confirmado por uma segunda babá, que tornou-se testemunha do caso. A mulher afirmou ter presenciado os xingamentos de José Gomes contra a colega de trabalho e a prática de tiros, que, segundo contou à polícia, teria o objetivo de amedrontá-las.
O 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher de Brasília determinou restrições em favor da babá que teria sido alvo dos xingamentos e da ameaça, na noite da última segunda-feira (3/5). José Gomes foi proibido de manter contato ou de se aproximar, a menos de 300 metros, da cuidadora, de familiares dela e de testemunhas. Em uma nova decisão, expedida na quarta-feira (5/5), o órgão revogou as medidas protetivas, sob justificativa de que há “ausência da necessária motivação de gênero, assim entendida como forma de subjugação da figura feminina”.
O outro lado
Advogado de José Gomes, Thiago Machado de Carvalho disse à coluna que toda a questão envolvendo as denúncias é de fundo patrimonial. “Os ex-cônjuges, de comum acordo, se casaram em regime de separação total de bens, porém, após o fim da união, a ex-esposa passou a exigir mais da metade do patrimônio construído por José Gomes ao longo de sua vida e um valor superior a R$ 68 mil de pensão mensal”.
“José Gomes nunca agrediu ou praticou mal a sua ex-esposa ou aos seus filhos, tanto é que as acusações já foram devidamente investigadas pela Delegacia da Mulher, que concluiu pela inexistência de qualquer crime. As ocorrências policiais não encontram qualquer amparo em provas, sendo registradas apenas como uma forma de atacar a imagem de José Gomes e pressionar um acordo”, afirmou o advogado.
Segundo Thiago Carvalho, “a Polícia e a Justiça já receberam cópias de mensagens em que a advogada da ex-esposa de José Gomes ameaça comunicar novos fatos inverídicos às autoridades policiais e afirma que ‘imagina, doutor, a repercussão de uma ocorrência… não vai ser bom não.’ Além disso, no dia 05/05/2021, o Poder Judiciário do DF revogou algumas medidas de afastamento indevidamente determinadas, as quais sempre foram cumpridas”.
“As questões patrimoniais e as relativas à elevada pensão deverão ser decididas na Vara de Família, que certamente levará em consideração o fato de ela ser uma jovem de apenas 30 anos, saudável e possuir plenas condições de trabalhar, já que seus filhos permanecem o dia todo na escola e na companhia de duas babás. José Gomes continua convivendo com os filhos e custeando todas as suas despesas, mas não possui qualquer intenção de se aproximar de sua ex-esposa”, concluiu.
No dia 1º de maio, José Gomes se adiantou às babás e relatou à Justiça conflitos que teriam ocorrido no rancho, durante o fim de semana. Os detalhes contados pela defesa do deputado divergem da versão das babás.
Na manifestação apresentada ao 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher de Brasília, o advogado de José Gomes disse que o parlamentar tomou conhecimento de que as funcionárias “estavam recebendo orientações de sua ex-esposa para que colhessem informações de sua vida privada e intimidade, inclusive com determinação expressa para que conseguissem informações do número do apartamento em que se hospeda eventualmente, senhas de seu aparelho celular e, ainda, compartilhassem as conversas encontradas”.
A defesa do distrital informou à Justiça que José Gomes solicitou às babas que se abstivessem de usar celular no momento em que deveriam “estar zelando pelas três crianças de tenra idade”. Segundo a versão da defesa do parlamentar, a advogada que representa a mulher de José Gomes entrou em contato com os advogados do deputado no dia 1º de maio, afirmando que “as babás se encontrariam em ‘cárcere privado’ e que poderiam estar sendo vítimas de ‘constrangimento ilegal’ e ‘torturas’, já que as tentativas de contatos telefônicos realizadas pela aludida advogada não estariam sendo atendidas”.
A coluna entrou em contato com a advogada de Fernanda, Márcia Aparecida Teixeira. Por meio da advogada, a esposa do parlamentar informou que “o que está no processo é o que realmente aconteceu”. E ela preferiu não se pronunciar neste momento.
Justiça eleitoral
O deputado distrital José Gomes teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso de poder econômico nas eleições de 2018. O parlamentar recorreu e permanece na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) em função de uma liminar expedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. José Gomes nega todas as acusações.
As informações são do Metrópoles