Ação judicial quer reintegração de posse de todas as áreas que integram o histórico território Kalunga em três municípios de Goiás
Goiânia – O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para pedir que a Justiça Federal determine, liminarmente, a imediata reintegração de posse de todas as áreas que compõem o território Kalunga e que estejam sendo invadidas ou esbulhadas, na região da Chapada dos Veadeiros. Elas ficam nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás.
De acordo com a ação, protocolada na última segunda-feira (16/8), as fronteiras do Território Quilombola Kalunga (TQK) já foram reconhecidas e devidamente delimitadas pelo poder público, por meio de lei. Depois, as atividades de delimitação, demarcação e titulação, antes pertencentes à Fundação Palmares, foram transferidas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Em 2004, o Incra deflagrou processo administrativo para a titulação definitiva das terras reivindicadas pelos kalungas. Entretanto, o processo administrativo tramitou lentamente e foi arquivado, em agosto de 2019, sem conclusão. Dos 262 mil hectares que integram o território, apenas cerca de 34 mil foram titulados definitivamente à comunidade.
Demora
Para o procurador da República Daniel César Azeredo Avelino, autor da ação, o Incra retarda seu dever de demarcar e titular os territórios quilombolas, mesmo quando há orçamento para depósito do valor das indenizações a proprietários particulares.
Segundo o procurador, os pedidos de algumas ações de desapropriação por ele ajuizadas estão sendo julgados improcedentes pela Justiça com fundamento na caducidade do decreto presidencial expropriatório.
“Torna-se imperiosa e urgente a intervenção do Poder Judiciário a fim de que os kalungas sejam liminarmente reintegrados na posse das parcelas de seu território como medida necessária a garantir a dignidade, a integridade e a cultura quilombola”, afirmou o procurador.
Na ação, o MPF pede para que a JF determine à União, ao Estado de Goiás, ao Incra e à Fundação Palmares que adotem as medidas administrativas necessárias, dentro de suas respectivas atribuições, para que viabilize, execute e fiscalize, o mais brevemente possível, a reintegração de posse.
O Ministério Público Federal também pediu que se transfira à Associação Quilombo Kalunga a titularidade e a propriedade definitiva das terras devolutas localizadas no Território Quilombola Kalunga, sob pena de multa diária.
Com o objetivo de frear as invasões e esbulhos, o MPF solicitou ainda, que a Justiça Federal condene, assim que identificados, os atuais invasores para que interrompam imediatamente os atos de invasão praticados no interior do território quilombola e que os proíbam de repetir essa prática criminosa.
Processo complexo
O Incra informou ao Metrópoles que 262 mil hectares do Território Quilombola Kalunga já foram titulados e que já identificou áreas devolutas, que pertencem ao estado de Goiás e podem ser destinadas, assim como imóveis rurais particulares que devem ser desapropriados pelo órgão.
A autarquia também disse que o processo de regularização é complexo, já que, conforme acrescentou, envolve identificação de ocupantes, levantamentos de documentos e informações, vistorias, notificações, georreferenciamento e demarcação de áreas, para a regularização e a titulação para a comunidade.
Além disso, o órgão afirmou que a pandemia restringiu os trabalhos em campo e que a desapropriação de imóveis rurais situados no perímetro do território está sujeita à disponibilidade orçamentária, visto que não é possível ajuizar ações sem o depósito judicial prévio das indenizações.
Origens
Localizado no nordeste de Goiás, já na divisa com Tocantins e Bahia, o quilombo Kalunga é uma terra de uso coletivo, reconhecida pelo estado e em ainda processo de regularização fundiária total. As terras que compõem a área foram ocupadas há centenas de anos por africanos ou afrodescendentes.
Uma das versões para a origem do território é que seus primeiros ocupantes foram fugitivos da escravidão de fazendas e garimpos da região.
Outra versão é a de que foram afrodescendentes que deixaram o trabalho em propriedades rurais (antes ou depois da Lei Áurea, assinada em 1888) e foram se embrenhando nos chamados vãos, que são áreas de difícil acesso entre serras.
Nestes locais, eles se misturaram à população indígena que já habitava ali. Os kalungas ficaram isolados do mundo externo até a década de 1970, quando foram “descobertos” por funcionários do estado que faziam prevenção e combate a endemias na zona rural. (Metrópoles)