Em documento, MP afirma que imunização é ‘experimental’, apesar de ter sido aprovada pela Anvisa. GDF criticou medida, mas decidiu suspender campanha nas escolas; Câmara Legislativa pede explicações.
Uma recomendação do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) sobre a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra Covid-19 em escolas públicas causou polêmica. No documento, enviado à Secretaria de Educação (SE-DF) na terça-feira (18), o MP afirma que as unidades não devem ser usadas para aplicação de doses, como o GDF planejava.
O governador GDF criticou a recomendação do Ministério Público, mas afirmou que vai segui-la. Já a Comissão da Vacina da Câmara Legislativa do DF (CLDF) disse que vai pedir explicações ao MP sobre o posicionamento (saiba mais abaixo).
As promotoras Cátia Gisele Martins Vergara e Márcia Pereira da Rocha, da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação, dizem na recomendação que a medida pretende garantir “a decisão livre e esclarecida dos respectivos pais e responsáveis quanto à vacinação experimental das crianças e adolescentes”.
A imunização desse público, no entanto, foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que a considerou a vacina segura. Além disso, o GDF afirma que nunca cogitou exigir vacinação obrigatória.
Questionado sobre a situação, o Ministério Público disse que o posicionamento da promotoria é o que está na recomendação.
Recomendação do MP
A possibilidade de imunização de crianças nas escolas foi anunciada pelo GDF na semana passada. Antes da divulgação dos detalhes, no entanto, veio a recomendação do MP. Para justificar o pedido, as promotoras afirmam que a própria Anvisa usou o termo experimental ao aprovar o uso emergencial da vacina.
Além disso, argumentam que “o ambiente escolar não é adequado para tratamento de saúde e realização da imunização contra Covid-19, notadamente quanto à necessidade de serem prestadas todas as informações na área de saúde, de forma clara, sobre os riscos e benefícios do uso do inoculante em fase experimental”.
A recomendação aponta ainda que “a decisão sobre a vacinação de crianças e adolescentes dentro das escolas e unidades da SEE/DF [Secretaria de Educação] alocará a responsabilidade de informação clara sobre os riscos e benefícios no uso do imunizante experimental aos gestores da educação, inclusive quanto à responsabilização dos eventos adversos a médio e longo prazo”.
Além de pedir que as escolas não fossem usadas na campanha, o MP solicitou que, tanto na rede pública quanto privada, as aulas sejam retomadas de forma totalmente presencial e sem exigência de comprovação de vacinação. Desde o início do mês, o GDF afirma que esse será o modelo adotado e que não cogita exigir o cartão de imunização.
Sem conhecimento sobre plano
Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (19), a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, e o chefe da Casa Civil, Gustavo Rocha, disseram que o governo vai seguir a recomendação do MP e suspender o plano de aplicar vacinas nas escolas.
No entanto, eles afirmaram que a recomendação foi feita pelo Ministério Público sem qualquer conhecimento sobre o plano da pasta, que previa utilizar equipes de saúde, com médicos e enfermeiros, para oferecer o serviço. Não foi cogitado o emprego de profissionais da educação, como o MP cita no documento.
Segundo Gustavo Rocha, a procura pela imunização de crianças está abaixo do esperado e o objetivo era facilitar o acesso às vacinas, além de tirar dúvidas e esclarecimentos de pais e responsáveis.
“A ideia está suspensa por conta da recomendação do MPDFT. O governo entende que seria uma forma de incentivar, facilitar o acesso à vacina das crianças”, diz o chefe da Casa Civil.
Ele ainda afirmou que “o MP poderia, antes da recomendação, ter se inteirado do plano e como seria feita a vacinação” e que o posicionamento do órgão diante da situação “não ajuda”.
“Quando o DF divulga um plano de ação, conta com os gestores da área, que têm todos os elementos para tomar decisão. São os gestores que detém conhecimento técnico e informações necessárias. Quando o plano é indicado, é porque o governo, ouvindo áreas técnicas, entendeu que isso seria um facilitador da vacinação das crianças”, aponta Rocha.
Durante a entrevista, o governador em exercício, Paco Britto (Avante), disse que ficou “comprovado que a ida do governo às pessoas aumentou o número de vacinados”.
“Nós estávamos levando a população, que são os jovens estudantes e seus pais, para esclarecer e tirar todas as dúvidas sobre a vacinação”, diz o vice-governador.
Diante da recomendação do MP, o GDF decidiu apenas reforçar a imunização de crianças em Unidades Básicas de Saúde (UBS) na semana da véspera da volta às aulas, entre 7 e 12 de fevereiro. Os locais ainda serão divulgados.
Câmara Legislativa quer explicações
O posicionamento do Ministério Público provocou questionamentos na Câmara Legislativa do DF. O presidente da Comissão da Vacina, deputado Fábio Felix (Psol), disse que vai pedir esclarecimentos ao MPDFT por ter dito que a vacina é “experimental”, e por desaconselhar a imunização nas escolas. Ele também informou que vai solicitar ao GDF que se manifeste por ter acatado a recomendação.
“Essa atitude é inaceitável vindo de uma instituição tão importante para a sociedade, que preza pela defesa dos cidadãos. Tenho certeza que essa não é a posição da maioria do MPDFT e vamos questionar essa recomendação em todas as instâncias competentes”, disse Fábio Félix em uma rede social.
Ainda de acordo com o parlamentar, “as manifestações da Anvisa foram tiradas de contexto para chamar as vacinas, pasmem, de experimentais. A agência já declarou que isso não procede! Tão absurdo quanto o Ministério Público prestar esse desserviço é o GDF acatar essa orientação absurda!”, disse o distrital.
Aprovação pela Anvisa
A Anvisa aprovou a vacina da Pfizer para uso em crianças de 5 a 11 anos em 16 de dezembro. A agência levou em conta o resultado da imunização desse público nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Coreia do Sul, Austrália e Holanda.
Até o mês passado, só nos EUA, quase 5 milhões de crianças acima de 5 anos haviam tomado uma dose da vacina. À época, o diretor de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, disse que os dados mostraram que a vacina é segura e eficaz para as crianças.
“Com base nessa totalidade de evidências científicas disponíveis é que a gente entende que o número de casos de Covid-19 tem sido representativo na população pediátrica. Nós temos um perfil de segurança e reator de inicidade positivo com a vacinação e nós temos resultados importantes de geração de anticorpos nessa população”, afirmou Gustavo Mendes.
A decisão de autorizar o uso de vacinas para crianças a partir de 5 anos também teve o apoio das sociedades brasileiras de Infectologia, Pediatria, Imunologia, Imunizações e Pneumologia.
“Os benefícios, sim, superam os riscos da vacina nas crianças de 5 a 11 anos. A carga da doença não é desprezível, a morte, a mortalidade dessas crianças nessa faixa etária é elevada”, disse Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.