Ambas as vacinas nem sequer estão sob análise de uso emergencial na Anvisa. A agência chegou a devolver um pedido de uso emergencial da Sputnik por falta de informações básicas
O Ministério da Saúde publicou, na edição extra do Diário Oficial da União, dois extratos de dispensa de licitação para a compra das vacinas contra covid-19 Sputnik V e Covaxin. Os extratos informam que a compra de vacinas será no valor de R$ 693,6 milhões para o imunizante da Rússia e de R$ 1,614 bilhão para a vacina indiana. A dispensa de licitação foi autorizada pela Medida Provisória 1.026, que trouxe medidas excepcionais relativas à aquisição de vacinas, insumos, bens e serviços de logística destinados à vacinação contra a covid-19.
As publicações no DOU não especificam o volume de doses contratadas. Pelo cronograma do ministério, serão entregues a partir de março 20 milhões de doses da Covaxin e 10 milhões da Sputnik V.
Ambas as vacinas nem sequer estão sob análise de uso emergencial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A agência ainda aguarda dados de segurança e eficácia para começar esta avaliação. A Anvisa chegou a devolver um pedido de uso emergencial da Sputnik pela falta de informações básicas.
O laboratório União Química também pretende fabricar as doses da Sputnik V no Brasil, mas ainda não tem as certificações exigidas para isso. Segundo fontes do governo federal, a preparação da fábrica para produzir este imunizante pode levar até seis meses
A eficácia da Sputnik V é de 91,6%, segundo dados publicados na The Lancet. A Anvisa, porém, tem feito cobranças reiteradas à União Química para que o detalhamento destas informações, além daquelas que tratam de segurança do produto, sejam entregues.
A vacina da Índia está em uso emergencial no seu país de origem, mas tem dados de eficácia ainda desconhecidos. A Covaxin é fabricada pela Bharat Biotech, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos. Como revelou o Estadão, a Precisa tem como sócia a Global, uma firma que deve cerca de R$ 20 milhões ao Ministério da Saúde por medicamentos não entregues de uma compra feita pela pasta em 2017, durante a gestão do atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Nos bastidores, auxiliares de Pazuello afirmavam que os contratos seriam fechados após o Congresso aprovar e Bolsonaro sancionar a MP 1026, que autoriza o governo a firmar contratos mesmo antes do registro ou autorização de uso emergencial ser concedido pela Anvisa. Essa votação, porém, foi adiada na Câmara por causa da prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ)
Pazuello também está sob forte pressão para acelerar a vacinação no País. Nesta semana, ele voltou a prometer a prefeitos e governadores que toda a população “vacinável” (menores de 18 anos, por exemplo, não estão recebendo as doses) serão imunizados neste ano. Ele também tem apresentado cronograma com previsão de entrega de cerca de 455 milhões de doses. Este volume já contava com compras ainda pendentes, como da Sputnik V, Covaxin e Moderna. Também ignora atraso na importação de insumos farmacêuticos para fabricação de doses no Butantan e Fiocruz.
Há forte lobby no Congresso e governo por estas vacinas. Na linha de frente da negociação com o governo, a União Química tem o ex-deputado Rogério Rosso (PSD-DF) e o ex-diretor da Anvisa Fernando Mendes. O dono da empresa, Fernando Marques, também tem bom trânsito no poder. Ele foi candidato no DF ao senado em 2018 pelo Solidariedade, partido de Paulinho da Força, e também costuma financiar campanhas eleitorais.
O líder do governo, Ricardo Barros, apresentou emenda à MP 1026 para que imunizantes aprovados na Índia recebam uma análise acelerada na Anvisa de uso emergencial. A sugestão foi acolhida no parecer da MP, que também inseriu a agência da Rússia. O Congresso aprovou uma medida similar na MP 1003/2020, que foi enviada à sanção, para beneficiar vacinas aprovadas na Rússia e Argentina, entre outros países.
Estadão Conteúdo*