
Miguel Lucena
Sábado era o melhor dia da semana. Acordava com o som dos sinos da Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, que chamavam os fiéis para a missa das sete. Eu, de batina branca e cintura apertada por um cordão de algodão, seguia com passo leve para cumprir minha missão de coroinha. Gostava do cheiro do incenso, do eco das orações, do silêncio respeitoso que enchia o templo. Mas, um dia, uma beata me olhou com olhos arregalados e disse: “Esse menino tem cara de santo. Vai direto pro Céu”. Agradeci a intenção, mas fui logo me desligando da função. Vai que o bilhete fosse só de ida…
Depois da missa, atravessava a praça e ia para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, onde meu pai era presidente. Sentava numa mesa mais alta do que eu e ajudava a preencher as fichas dos que vinham ao ambulatório médico e ao consultório odontológico. Gostava do burburinho das pessoas, dos acentos arrastados, dos chapéus de palha empilhados num canto. Era como se todo o mundo coubesse ali.
Terminado o expediente, meu rumo era certo: a feira livre. Ali, o coração de Princesa batia mais forte. Visitava as bancas de mangaio com o mesmo entusiasmo de quem vai a um parque de diversões. Trocava moedas por pão com quebra-queixo, aquele doce duro que colava nos dentes e parecia eternizar o sabor da infância. Parava para ouvir o vendedor de cordel declamar histórias fantásticas: o romance do Pavão Misterioso, a valentia de Juvenal e o Dragão, as desventuras de Cancão de Fogo. Cada verso era um mundo novo que se abria diante dos meus olhos curiosos.
Tinha ainda o vendedor de milagres, com suas garrafadas mágicas. Óleo de peixe-boi para dor de junta, banha de puraqué para espinhela caída, óleo de copaíba com semente de cacau que prometia curar sarna, lepra, coceira, pano preto, pano branco, bafo de boca e catinga de sovaco. Eu ouvia tudo com ar solene, como quem assiste a uma aula de encantamento.
À noite, quando a cidade descansava sob o céu estrelado, sentava na calçada da Rua do Cancão com um grupo de vizinhos e amigos. Entre uma história de trancoso e outra, lia em voz alta o folheto do Pavão Misterioso. Cada rima arrancava um sorriso, um “ôxe!” de espanto, um silêncio de atenção.
E assim eram meus sábados em Princesa. Cheios de fé, trabalho, poesia e encantamento. Um tempo que mora em mim como um retrato antigo, amarelado, mas que ainda pulsa com o frescor de uma manhã de feira no sertão.