Felipe Salles, economista-chefe do C6, diz que investidores estão atentos à proposta que a equipe de Lula apresentará para o teto de gastos
Rafaela Felicciano/Metrópoles
Sem nomes definidos ainda para a equipe ministerial do próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os investidores tentam tatear quais serão os rumos da economia a partir de 2023. A dúvida continua a ser como atender às regras fiscais, como o teto de gastos, e cumprir as promessas de aumentar as despesas com políticas sociais.
Para Felipe Salles, economista-chefe do banco C6, é possível colocar a disciplina fiscal na pauta sem abrir mão de programas caros ao PT e ao futuro presidente, como o Auxílios Brasil. A questão, diz o especialista, é estabelecer o que prioritário, especialmente em um primeiro ano de governo.
“O governo quer aumentar o Auxílio Brasil? Tudo bem, é um gasto eficiente, que chega aos mais pobres, mas o ideal é abrir mão de outras despesas ineficientes. Dessa forma, é possível cumprir a promessa de campanha e colocar a dívida pública em uma trajetória melhor”, afirmou o economista ao Metrópoles.
Leia abaixo a entrevista completa:
O que as primeiras nomeações para a equipe de transição de Lula sinalizam ao mercado?
Tudo ainda é especulação, porque não temos os nomes ministeriáveis. Em relação aos discursos, o que vimos até agora é basicamente que foi prometido durante a campanha. Não há nada de novo. O que parece estar sendo encaminhado pela equipe é uma PEC da Transição que retira os recursos do Auxílio Brasil, ou do novo Bolsa Família, do teto de gastos, abrindo um espaço de cerca de R$ 100 bilhões no orçamento para poder ocupar com outras rubricas.
O que isso significa, em termos de resultado fiscal?
A projeção dos economistas é de uma dívida pública que subirá, pelo menos, até 2024. É uma trajetória de alta e já partimos de um patamar elevado, então de fato existe uma preocupação. Nesse sentido, o mercado vai se acalmar só quando tiver clareza de que a dívida vai inverter essa trajetória em algum momento, ou teremos inflação elevada lá na frente.
Seria uma reedição do governo Dilma, ao invés de um governo que se parece mais com o primeiro mandato do Lula?
É cedo para dizer. Teremos mais clareza disso quando a equipe econômica for anunciada e o plano de governo definido. Por enquanto, Lula parece compor uma equipe de transição com diferentes perfis – alguns mais ortodoxos, outros mais heterodoxos. Seria uma sinalização de que o governo tenta agrupar diferentes visões na economia, mas ainda vamos saber como será.
Faz sentido, na sua opinião, mudar ou extinguir o teto de gastos?
Quando foi criado, o teto tinha dois propósitos. O primeiro, e principal, era limitar os gastos do governo para, assim, colocar um freio na dívida pública. O segundo objetivo, que é o que menos citamos, era o de, quando ficasse difícil encaixar todas as despesas no teto, o governo fosse forçado a discutir com a sociedade quais políticas são eficientes e importantes e quais não são. Talvez essa seja a oportunidade de fazermos isso.
Como elencar prioridades, nessa discussão?
O governo quer aumentar o Auxílio Brasil? Tudo bem, é um gasto eficiente, que chega aos mais pobres, mas o ideal é abrir mão de outras despesas ineficientes. Dessa forma, é possível cumprir a promessa de campanha e colocar a dívida pública em uma trajetória melhor. E temos espaço pra isso. O governo brasileiro gasta muito, quando comparado com outros países em desenvolvimento. Essa é a questão principal. Não é proibido aumentar despesas, o que é preciso é ter compensações.
Os dois primeiros governos de Lula foram marcados por um cenário externo que, de maneira geral, foi positivo. O mundo vai ajudar novamente?
Temos um cenário bem mais complicado agora. O mundo vai crescer pouco nos próximos anos: a economia dos Estados Unidos vai desacelerar, por causa do aumento da inflação e dos juros, e a Europa deve sofrer com um dos piores choques de energia da história. A China, que poderia ajudar, tem problemas estruturais de longo prazo, como a crise no setor imobiliário, e ainda lida com os efeitos da política de covid zero. Por fim, riscos geopolíticos que estavam adormecidos nos últimos 20 anos voltaram a preocupar, a exemplo do conflito entre Rússia e Ucrânia.
Por outro lado, existe algo que pode ajudar o Brasil?
O que deve nos beneficiar é, novamente, o preço das commodities. O Brasil é um grande fornecedor de produtos básicos, então quando as commodities sobem, a economia cresce. Foi isso, aliás, que fez com que o PIB de 2022 fosse melhor que o esperado. No ano que vem, as cotações de produtos como petróleo e minério de ferro devem dar uma trégua, mas permanecer ainda em patamares elevados.
Fonte: Metrópoles*