O local que já foi a cidade mais violenta do mundo, saiu da lista das 100 mais inseguras e está virando exemplo na América Latina, graças aos programas socioeconômicos. Os atentados interferem no processo de apagar as marcas da violência e do narcotráfico

Por Samanta Sallum/Enviada especial a Medellín*
As estações de metrô em Medellín são protegidas por santas. Elas foram os escudos contra ataques do narcoterrorismo. Graças aos Painéis com as imagens religiosas que o rei do narcotráfico Pablo Escobar decidiu poupar os locais. Ele manchou a história da Colômbia com muito sangue entre os anos 1980 e o início da década de 1990, matou inimigos de grande calibre político, criou um exército próprio, roubou a espada de Simón Bolívar (herói sul-americano responsável pela independência de várias ex-colônias espanholas, inclusive a Colômbia), explodiu um avião comercial lotado, entre tantos outros episódios criminosos que resultaram em milhares de vítimas.
“Somos um país muito religioso. E na época de Escobar foi dada ordem para que se atacasse as estações de metrô. Mas, como uma estratégia de proteger o sistema de transporte, a comunidade e as autoridades publicas tiveram a ideia de colocar as santas para que Escobar respeitasse o local, não atentasse contra o metrô. E foi o que aconteceu”, conta o antropólogo e diretor do Escritório de Residência de Medellín, Santiago Uribe. O escritório é uma organização não-governamental que articula políticas públicas e privadas de incisão social, desenvolvimento econômico e segurança pública na cidade.
Medellín já foi a cidade mais violenta do mundo na década de 1990. O número de assassinatos por mês chegava a 400 a cada 100 mil habitantes. Hoje, não está nem entre as 100 mais inseguras. Tornou-se referência na América Latina por sua capacidade de se reinventar por meio de políticas públicas integradas, parcerias com organizações sociais e forte engajamento comunitário.
O belga-colombiano Jean Edward, formado em Ciências Sociais, trabalha no escritório de resiliência de Medellín, e sentiu na pele as ameaças do narcoterrorismo na juventude, o que o levou a sair do país e morar 14 anos fora. Na época, havia risco de sequestros. Como o pai é belga e mãe colombiana, ele voltou à cidade há nove anos e, desde então, está engajado no trabalho que exporta exemplos de inovação.
Feridas abertas
“Alguns territórios passaram por processos de pacificação militar, mas mostram em pouco de espaço de tempo é que não dão certo, porque deixam muitas feridas abertas com o desaparecimento de milhares de pessoas. A verdadeira transformação ocorre quando o bem-estar do cidadão está no centro de todos os processos”, explica Jean.
A política pública em Medellín, que tem 2,5 milhões de habitantes, é chamada de “segurança e convivência” e busca garantir as condições de bem-estar social para as pessoas sejam capazes de viver juntas e de forma pacífica. Uma dos exemplos é o investimento em educação, pois 70% do orçamento público participativo vai para o setor, em centros de cultura, esporte, lazer e convivência, instalados na regiões mais violentas.
Uma forma de proteger de ataques grandes caixas de água, que abasteciam as comunidades de periferia, foi exatamente ao redor delas criar espaços de convivência e de serviços sociais. Teleférico e escadas rolantes integram as regiões mais altas de ocupação urbana, onde vivem as pessoas mais pobres. Uma iniciativa de duas décadas que inspirou políticas públicas no Rio de Janeiro por exemplo, para levar infraestrutura às então chamadas “favelas” cariocas, hoje comunidade. As duas cidades têm muito em comum, o crime organizado e a topografia.
Distritos Criativos
Comuna 13 já foi território proibido para um turista visitar em Medellin. A transformação social da região de periferia da cidade, nos últimos 20 anos, foi realizada com ações principalmente ao incentivo e suporte ao empreendedorismo da chamada economia criativa, que deu mais oportunidades de trabalho aos 180 mil moradores. Há diversas iniciativas de atividades que unem cultura, comércio, eventos, esporte e de segurança alimentar.
Jonathan Arroyo, 37 anos, um dos guias da Comuna 13, teve o primo, líder comunitário na época do narcoterrorismo, assassinado por tentar resistir às pressões do crime organizado e atuar por ambiente de proteção social a jovens. “Muitas pessoas perderam a vida aqui para que pudéssemos chegar no cenário que temos hoje, mais pacífico, bem menos violento. Hoje podemos receber os turistas. Graças à educação ,arte, cultura”, destaca.
Como no Brasil, a dança, a arte, a música são formas de expressão social e identidade local, como o rap. Arroyo deu o seu recado para o Brasil, que ele tanto gosta também pelo futebol. “Temos em comum o desafio de vencer as desigualdades sociais e diminuir a violência”, observa o guia. Ele fala com orgulho do país que tem Fernando Botero, o artista plástico mundialmente famoso pelas figuras rotundas e graciosas, respira arte e criatividade.
Missão empresarial
Os distritos criativos de Medellín são uma inspiração para o Distrito Federal. Exatamente para conhecer as ações governamentais e do setor privado transformaram o cenário da cidade uma comitiva de 15 lideranças de sindicatos empresariais e de trabalhadores do Distrito Federal visitou à Colômbia.
“Nós, do setor produtivo estamos planejando e executando no DF, em parceria com o GDF e a Câmara Legislativa, ações neste sentido. Já avançamos no Setor Comercial Sul, por exemplo, permitindo que quase 300 novas atividades possam atuar na região. Também temos uma pesquisa em curso que nos ajudará desenvolver um Polo Tecnológico Criativo na região. Essa missão internacional nos mostrou que é possível transformar espaços urbanos, promovendo inovação, inclusão e desenvolvimento econômico sustentável”, destacou o presidente da Fecomércio/DF, José Aparecido Freire, que liderou à comitiva.
Gratuidade
A Colômbia de Shakira e de Gabriel Garcia Marques se esforça para apagar a imagem de Pablo Escobar, que ainda hoje ganha holofotes em filmes e seriados. Uma das preocupações em Medellín é com a saúde mental da população. Exista um programa de atendimento chamado “Como vai a sua vida ?”. Nas estações de metrô, há tendas de atendimento psicológico gratuito, além de bibliotecas com acesso livre e de graça aos livros. Para estimular a confiança e a autoestima, existem caixinhas de chocolates e biscoitos são espalhadas em locais públicos para compra dos produtos. Não há caixa nem algo que deixe os itens trancados. A pessoa paga se quiser. “Medellín é você “, diz a plaquinha numa mensagem de confiança na honestidade do povo.
Bancos de Alimentos
Os programas de segurança alimentar também são prioridade, na Colômbia. Há 26 deles, dos quais dois dos mais antigos estão em Medellín. Eles são abastecidos com doações do setor empresarial ligados ao agronegócios e à indústria. Cerca de 25 milhões de pessoas em vulnerabilidade social são atendidas no país.
Um dos desafios da Colômbia foi substituir o cultivo da coca, atualmente o café e o cacau são estrelas internacionais produzidos no país. Os vários tipos de café são uma atração turística à parte, o mais famoso é o arábica.
O protocolo de parceria entre o Banco Nacional de Alimentos da Colômbia e o programa Sesc Mesa Brasil do Distrito Federal foi assinado por autoridades das duas instituições. A ideia é trocar experiência e incrementar os projetos. “Aprendemos o que é possível agregar também no nosso programa. Os empresários no Brasil fazem uma importante contribuição e podemos avançar mais”, reforça o presidente da Fecomércio-DF, José Aparecido Freire.
“Vimos que, além da fome do alimento, é preciso saciar a fome de cultura, de educação. Aqui a gente pode perceber, na instituições que visitamos a parceria com universidades, entidades privadas e governamentais”, reforça o diretor do Sesc-DF, Valcides Araújo.
Feridas curadas
A onda de atentados que eclodiu na Colômbia nos últimos 10 dias trouxe de volta memórias da rotina de violência armada que marcou o país no passado, exibiu a radicalização do debate político e falhas da política de paz total proposta pelo presidente Gustavo Preto. Oito pessoas morreram e ao menos 62 ficaram feridas, entre civis e policiais, em 24 ataques que atingiram a região do município de Cali.A onda começou em Bogotá.
Os tiros que alvejaram, no último dia 7, o senador colombiano Miguel Uribe, de 39 anos, que ontem teve uma hemorragia intracraniana voltando para a mesa de cirurgia, e feriram o processo de resgate de autoestima e de imagem da Colômbia.
“O que vimos em Medellin nesses cinco dias de missão empresarial não condiz com o terrível atentado na Colômbia. Levamos conosco para o Brasil valiosas lições de hospitalidade e resiliência do povo colombiano, que encontrou na união, no trabalho coletivo e nas ideias criativas a chave para a transformação e o desenvolvimento social”, afirmou José Aparecido Freire, presidente da Fecomércio-DF, que lidera a missão empresarial.
Miguel Uribe é do partido centro democrático, liderado pelo ex-presidente conservador Alvaro Uribe, e que faz oposição ao governo de extrema-esquerda de Gustavo Petro. Ele é filho de Diana Turbay, jornalista que foi sequestrada em 1990 por um grupo ligado ao Cartel de Medellín.
A jornalista viajou a convite do Sesc/DF*
Fonte: Correio Braziliense