Maria José Rocha Lima*
O general Heleno concluiu que ocupar a titularidade do MEC é tarefa para um ser quase divinal. “Exige competência, inteligência, experiência, dedicação, honestidade de propósitos, retidão, entusiasmo, equilíbrio, diálogo, flexibilidade etc, etc”, segundo a Coluna de Cláudio Humberto, no Diário do Poder.
O ministro do GSI diz que as exigências fazem do comando do MEC uma tarefa quase divina. Heleno avalia que um ministro da Educação é especial porque lida com dois vetores primordiais em qualquer sociedade: professor e aluno. Isto é a mais pura verdade. O ministro da Educação, além dos problemas históricos crônicos, enfrentará a guerra biológica provocada pelo coronavírus, que ampliará geometricamente a evasão e a reprovação escolar.
As crianças das classes populares, quase sempre ligadas às escolas por um fio, uma vez que aprendem pouco, mantêm vínculos frágeis com os colegas e até com professores, além de sofrerem com a violência escolar, e facilmente poderão se desgarrar.
Em maio de 2018, o então ministro Rossieli Soares apresentou no Senado Federal um Panorama da Educação Brasileira, que informava 57 milhões de matrículas, desde a educação infantil ao ensino superior. As matrículas nas universidades públicas aumentaram de 940 mil, em 2001, para cerca de 2 milhões em 2016. Na rede privada, as matrículas do ensino superior triplicaram, saindo de 2 milhões em 2001 para mais de 6 milhões em 2016.
O ex- ministro reconheceu que, embora considerasse os avanços na quantidade de matrículas, as não aprendizagens eram muito preocupantes. Mais de 50% das crianças não estavam e nem estão alfabetizadas no terceiro ano do ensino fundamental e mais de 370 mil foram reprovadas ou abandonaram a escola em 2016. No Norte e Nordeste, esse percentual chegava a 70%. No 6º ano, somente 82,8% foram aprovadas, mais de 570 mil foram reprovadas ou abandonaram a escola em 2016.
No ensino médio, os jovens aprendem hoje menos Português e Matemática do que há 20 anos. O Brasil tem 1,7 milhão de pessoas entre 15 a 17 anos fora do ensino médio: nem estudam, nem trabalham. Na 1ª série do ensino médio, em 2016, 791 mil jovens abandonaram a escola ou foram reprovados, isto representava 25,9%. E 82% dos jovens que concluíam o ensino médio não acessavam a universidade e saíam sem preparação para o mercado de trabalho. Sem contar que 2,2 milhões de jovens encontravam – se em situação de defasagem idade-série no ensino médio; 1,7 milhão de jovens não estudam nem trabalham, segundo fontes do INEP – Censo Escolar 2017 e Censo da Educação Superior 2016. Ainda segundo o ex- ministro, era alto o percentual de docentes com formação inadequada, variando de 30% a 40% . Metade dos professores de Matemática não possui formação adequada nos anos finais do fundamental e ensino médio.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018 havia 11,3 milhões de pessoas analfabetas com 15 anos ou mais de idade, sem contar com os subescolarizados das escolas públicas. O maior estudo sobre educação do mundo, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), apontou que o Brasil tem baixa proficiência em Leitura, Matemática e Ciências, se comparado com outros 78 países que participaram da avaliação. A edição 2018, divulgada mundialmente no dia 3 de dezembro, revela que 68,1% dos estudantes brasileiros, com 15 anos de idade, não possuem nível básico de Matemática, o mínimo para o exercício pleno da cidadania. Em Ciências, o número chega a 55% e em leitura, 50%. O Brasil caiu no ranking mundial de educação em Matemática e Ciências e ficou estagnado em Leitura desde 2009.
Somente na educação básica, o novo ministro terá um desafio hercúleo. Além da superação desses problemas crônicos, terá o desafio de universalização do acesso à internet de alta velocidade; conquistar a adesão de todos os estados e de 4,8 mil municípios, somando 22,5 mil escolas, urbanas e rurais; ampliar a rede terrestre de banda larga; adquirir um satélite (internet 10 Mb) para as escolas das zonas rurais; formar articuladores locais, para que lidem com as redes; criar Plataformas Digitais para cursos online e formar professores para o uso das novas tecnologias.
Depois dessa pandemia, teremos agravadas as condições de aprendizagem e da distorção idade-série.
Por isso, sugiro que a instrução, principalmente nas últimas séries do ensino fundamental e no ensino médio, se dê por intermédio de cursos que chamávamos de supletivos, com acompanhamento em estações ou laboratórios das escolas públicas ou privadas. Tenho experiência vitoriosa de aplicar essas estratégias para alunos diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção e/ ou jovens incompreendidos, que não se adequaram ou ficaram em situação de distorção idade – série e foram muito bem-sucedidos com a educação a distância, agora remota, com acompanhamento diário para a realização das atividades.
Tudo estará previsto no Art. 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB): “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”. E no inciso VII, alíneas ‘b” e “c” e “e”, prevê a possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado; e a obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos
Tem razão o ministro do GSI ao imaginar tantas habilidades, competências, experiências, equilíbrio emocional e devoção que devem estar reunidas num só ser humano para enfrentar o tremendo desafio da educação brasileira.
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira e Psicanalista filiada à Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise.