Maria José Rocha Lima*
Recebi da amiga e psicanalista Maria Elena Rodrigues da Silva o texto Difícil Facilitário do Verbo Ouvir, do livro “Me vi te vendo”, de Artur da Távola, de 1977. De cara me identifiquei com o texto, porque daria aula na Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise – ABEPP – sobre as funções do ego, que tem, entre outras, a comunicação, e decidi integrar o precioso texto do advogado, jornalista, radialista, escritor, professor e político brasileiro aos demais conteúdos da aula.
Exatamente no momento em que tratávamos a comunicação e a linguagem como responsáveis pelos grandes mal-entendidos da humanidade, me vali do mestre Artur da Távola, que enriqueceu muito a aula sobre o ego.
Para ele, “um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é o de como o receptor ouve o que o emissor falou”.
Tomei de empréstimo o dodecálogo sobre a difícil arte da comunicação na sua integralidade, para dividir com psicanalistas e psicanalistas em formação, porque estou certa de que muito vai ajudar no setting analítico, que é um conjunto de recursos e procedimentos colocados à disposição dos paciente; também na vida, no mundo afora.
No Difícil Facilitário do Verbo Ouvir -“Me vi te vendo”, Artur da Távola ensina:
1- Em geral, o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo; 2 – O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer ouvir; 3 – O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que já escutara antes e coloca o que o outro está falando naquilo que se acostumou a ouvir; 4 – O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que imagina que o outro ia falar; 5 – Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando: eles ouvem quase só o que estão pensando dizer em seguida; 6 – O receptor não ouve o que o outro fala: ouve o que gostaria de ouvir ou o que gostaria que o outro dissesse; 7 -A pessoa não ouve o que a outra fala: ela apenas ouve o que está sentindo; 8 – A pessoa não ouve o que a outra fala: ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando; 9 – A pessoa não ouve o que a outra está falando: ela retira da fala da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, a agradem ou a molestem; 10 – A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está falando em objetivo de concordância ou discordância; 11 – A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso do amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra; 12 – A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve da fala dela apenas aqueles pontos de vista que, no momento, a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.
Para Artur da Távola, a quem homenageamos: “esses doze pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar!”
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É Psicanalista e dirigente da Associação Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Filiada ao Clube Soroptimista Internacional Sudoeste Brasília.