*Frutuoso Chaves
E lá estava eu, no Recife, em 1957, para os estudos primários, morto de saudade de casa. Os domingos sem escola me permitiam a cama por mais tempo. Das 9 às 12, o rádio do vizinho sintonizado na Tamandaré sempre me trazia as vozes de três paraibanos. “Eu fui feliz no meu Bodocongó”, cantava Jackson. Naquele barquinho de um remo só eu também chegava a Campina Grande, longe, ainda, da pequena Pilar, onde viviam meus pais, irmãos e amigos. Contudo, já mais perto dos meus.
Marinês, então, me divertia. Apesar dos meus 11 anos, eu suspeitava de que havia algo além da pimenta de Seu Malaquia naquele peba. Tudo por conta do rumo da conversa travada no meio da música, com a sanfona a resfolegar.
Ela: “Ô, sujeito, tu não dissesse que não ardia?”. Ele: “E ardeu?”. Ela: “Ardeu, sim”. Ele: “Mas tu gostou”. Ela: “Eu gostei, mas tô pegando fogo”. Tudo bem, Marinês nasceu em São Vicente Férrer, Pernambuco, mas quem lhe negaria a alma campinense?
“Coco de 56” e “Dance o xaxado”, em gravação da Mocambo, cemitério de cantores, como a tratava o deboche pernambucano, preenchiam o compacto duplo, o primeiro da carreira de Genival Lacerda, ao que li. Estava ali, então, a terceira voz da Paraíba a me embalar o coração de menino naquelas manhãs de domingo, no subúrbio de Jangadinha, a cinco horas de trem do meu ninho.
Tais lembranças me chegam com a notícia da morte de Genival, uma entre tantas outras vítimas da praga que já ceifou a vida de quase 200 mil brasileiros. Muito provavelmente, de número mais volumoso dado o fato de que habitamos o País da saúde pública em frangalhos e, portanto, da subnotificação médica e clínica.
O Genival que cantava nas manhãs da Tamandaré e em muitas outras emissoras nacionais, nas vizinhanças de 1960, ainda não era o Senador do Forró nem o Rei da Munganga, aquele da “Severina Xique-Xique”, do “Rock do Jegue”, ou do “Mate o Veio” e, sim, o intérprete de coco e xaxado no palco da minha saudade. Foi quando eu mais gostei dele. O homem sobreviveu à Gravadora Mocambo, sepulcro de nomes regionais. Fez-se conhecido e aplaudido por multidões. Aos 89 anos, foi agora abatido por um vírus mal contido pela imprevidência governamental e pela insensatez de muitos, em meio ao distinto público. Uma pena.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).