A seis dias das eleições presidenciais, mais de 75 milhões de norte-americanos tinham votado antecipadamente até ontem. O número representa 54,5% dos votos contabilizados no processo eleitoral de 2016, de acordo com o US Elections Project (“Projeto Eleições dos EUA”), mantido pelo cientista político Michael McDonald, da Universidade da Flórida. O especialista prevê que 150 milhões de cidadãos votarão neste ano, o que representaria 65% dos 230 milhões de cidadãos aptos a participar da eleição. Em 2016, quando o republicano Donald Trump venceu a democrata Hillary Clinton, 58,3 milhões de cidadãos haviam votado com antecedência — 42% do total.
Mais de 16 milhões de americanos que se ausentaram das urnas, em 2016, já votaram neste ano. Nos Estados Unidos, o voto não é compulsório. Dos 75.162.670 votos contabilizados até ontem, 49.518.764 foram enviados pelos correios. O sistema de votação a distância é alvo de críticas de Trump, que o associou a alto risco de fraudes.
“Estes números são um sinal de que a eleição interessa à população. Os simpatizantes do democrata Joe Biden desejam, apaixonadamente, remover Trump do cargo. A questão é se os apoiadores do republicano estão igualmente interessados em mantê-lo”, afirmou ao Correio John J. Pitney, professor de política americana do Claremont McKenna College, em Claremont (Califórnia).
O recorde de votos coincide com o avanço da covid-19 nos Estados Unidos, tema que passou a dominar a campanha. Na terça-feira, os EUA registraram 71.832 infecções pelo coronavírus em 24 horas, número sem precedentes desde o início da pandemia. Ontem, Biden alertou que o controle da covid-19 demandará um esforço imenso e que não existe botão mágico para pôr fim à pandemia.
Para Pitney, o medo também explica o elevado índice de voto por antecipação. “Muitos americanos se preocupam com reuniões em locais fechados. Eles creem que votar antecipadamente seja mais seguro, mesmo que isso signifique permanecer na fila, desde que ao ar livre”, comentou. Ele espera que Biden se foque em declarações sérias, evitando eventos capazes de disseiminar a covid-19. “Eu gostaria que Trump pudesse adotar um tom mais grave e parar de expor o público ao coronavírus. Mas, ele não fará isso”, avaliou o professor.
Estados-chave
De acordo com o jornal The New York Times, o voto por antecipação é ainda mais dramático em vários estados-chave, onde nem republicanos nem democratas gozam de favoritismo. O Texas, por exemplo, contabilizou 90% de todos os votos entregues em 2016. Na Flórida, considerado crucial para a disputa, esse índice chega a 70%. O alto índice de comparecimento às urnas injeta suspense às eleições de 3 de novembro.
Biden votou por antecipação, ontem, e reforçou as críticas ao adversário republicano pela gestão na resposta à covid-19. “Este vírus atinge as minorias com muito mais força, principalmente os negros, latinos e indígenas”, afirmou, ao classificar de “insulto” a recusa da Casa Branca em reconhecer que, diariamente, mais de mil pessoas morrem, vítimas do coronavírus. Até o fechamento desta edição, os Estados Unidos contabilizavam 8,8 milhões de casos da covid-19 e 227.563 mortes. De acordo com o site FiveThirtyEight.com, 57,4% dos americanos reprovam a forma como Trump tem lidado com a crise de saúde pública.
Apesar de todas as pesquisas apontarem a vitória de Biden, as eleições presidenciais norte-americanas são decididas por um Colégio Eleitoral formado por 538 delegados. “Joe Biden é favorito para vencer. No entanto, Trump poderá provocar uma reviravolta no Colégio Eleitoral, se for capaz de motivar o comparecimento às urnas em estados-chave”, admitiu Pitney.
Joe Biden virou estatística
O candidato democrata na disputa pela Casa Branca, Joe Biden, faz parte das estatísticas. O ex-vice de Barack Obama e a mulher, Jill Biden, votaram antecipadamente na eleição dos Estados Unidos. Joe depositou sua cédula no Edifício Estadual de Delaware, em Wilmington, cidade onde vive com a família. Pouco antes de votar, ele disse que espera ser eleito para “fazer a diferença” e “torná-la melhor para os americanos comuns”. “Sim, eu votei”, confirmou Biden, usando uma máscara.
Trump em ritmo frenético
Por sua vez, o presidente Donald Trump, rival de Joe Biden em 3 de novembro, manteve o ritmo frenético dos comícios. O magnata desembarcou em Bullhead City (foto), no Arizona. De tradição republicana, o estado assiste a uma guinada democrata — Biden lidera as pesquisas, com margem de menos de três pontos percentuais. Trump encerrará o dia na Flórida, onde estão em jogo 29 votos eleitorais. “Joe Biden é um político corrupto; a mídia não dirá isso”, disse o magnata.
Toque de recolher nas ruas da Filadélfia
Em meio a saques e protestos violentos provocados pela morte de um homem negro nas mãos da polícia, a Filadélfia— maior cidade da Pensilvânia — anunciou um toque de recolher. A medida vigoraria entre as 21h locais (22h em Brasília) de ontem e as 6h (7h em Brasília) de hoje, anunciou o governo municipal. O presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, culpou o prefeito democrata, Jim Kenney, pela violência.
Desde segunda-feira, milhares de pessoas têm ocupado as ruas da Filadélfia para protestar. Os atos de revolta começaram horas depois de policiais brancos matarem a tiros Walter Wallace, um homem de 27 anos que estava armado com uma faca. Em um bairro do norte da Filadélfia, lojas e caixas automáticos foram destruídos. A polícia deteve 170 pessoas, e reportou 53 agentes feridos, além de 17 viaturas danificadas.
Bipolar
A família de Wallace disse que ele era bipolar e chamou uma ambulância pelo serviço 911 (telefone para emergências nos Estados Unidos), mas quem atendeu foi a polícia. Os familiares se perguntam porque os agentes não usaram uma pistola Taser (de choque elétrico) no lugar de armas de fogo. Dois policiais mataram o homem com vários tiros, na segunda-feira, por volta das 16h locais (17h de Brasília), depois que ele se negou a soltar a faca. A morte de Wallace e os protestos na Pensilvânia, um estado pendular chave na eleição presidencial de 3 de novembro, reacenderam as tensões entre republicanos e democratas.
“O que vejo é terrível e, francamente, o prefeito ou quem quer que seja que autoriza as pessoas a se manifestarem e a saquearem, sem detê-las, é igualmente terrível”, disse Trump em Las Vegas, durante ato de campanha. Em 2016, Trump venceu por apenas 40 mil votos a eleição na Pensilvânia, estado tradicionalmente democrata. “Não comento coisas sobre Donald Trump, temos muito o que fazer nesta cidade, não traz nada positivo”, respondeu o prefeito, ao qualificar a violência de “inaceitável”.
Em maio, a morte de George Floyd — um homem negro asfixiado por um policial branco que se ajoelhou durante vários minutos sobre o seu pescoço, em Minnesota — deu origem a uma série de protestos em todo o país contra o racismo e a violência policial. Trump, enquanto isso, promete a seus seguidores que defenderá “a lei e a ordem”, se for reeleito. (CB)