73% das pessoas estão satisfeitas com o trabalho de casa
Antes da pandemia, o home office era uma realidade de poucas empresas, mas um pedido frequente de diversos trabalhadores. Com a covid19, o modelo se tornou uma necessidade para os negócios continuarem operando. Um ano e meio depois dos primeiros lockdowns em todo o Brasil, o trabalho remoto se mostra muito bem avaliado pelos trabalhadores. Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pela Fundação Instituto de Administração (FIA) mostra que a intenção dos brasileiros de permanecerem trabalhando em casa só cresce – ao mesmo tempo em que relatam ter uma jornada de trabalho muito maior do que a estipulada em contrato.
De acordo com o levantamento, 73% das pessoas estão satisfeitas com o trabalho de casa. Mas esse número cresce para 78% quando se considera a intenção de manter a mesma rotina após a pandemia, ante 70% no ano passado. Já o número de trabalhadores que querem voltar aos escritórios diariamente caiu de 19% para 14%. O porcentual dos indiferentes também recuou, de 11% para 8%.
“As pessoas estão muito satisfeitas. Esperávamos até um indicador um pouco abaixo, mas elas estão valorizando muito ficar em casa”, afirma André Fischer, professor da FEA e coordenador da pesquisa. Para completar, 81% dos entrevistados afirmaram que a produtividade, trabalhando de casa, é maior ou igual à da atividade presencial.
Apesar das avaliações positivas, muitos funcionários dizem estar trabalhando mais horas de casa do que se estivessem no escritório. Com a economia de tempo do deslocamento, muitos acabam começando a trabalhar mais cedo – e se desligando mais tarde. Dos entrevistados pelas instituições de ensino, 45% estão trabalhando acima de 45 horas. Desse número, 23% afirmaram que trabalham entre 49 e 70 horas por semana, enquanto 6% falaram em volume acima de 70 horas semanais. A legislação trabalhista estabelece, salvo casos especiais, que a jornada convencional de trabalho seja de 44 horas semanais.
“É um dado impressionante e que pode interferir bastante na questão da saúde mental das pessoas. Eu mesmo estou trabalhando mais horas do que antes”, diz Fischer. “Por estarem conectados o tempo inteiro, muitos acabam trabalhando também o dia inteiro.”
Burnout. Dados do Ministério do Trabalho e Previdência mostram que o número de afastamentos por transtornos mentais e comportamentais cresceu durante a pandemia. A concessão de benefícios para problemas psicológicos chegou a 291 mil em 2020, um número 20% maior do que o registrado no ano anterior. E o excesso de trabalho, segundo especialistas, colaborou para a piora.
Gabrielle Cristófaro, gerente de experiência do consumidor da startup de saúde mental Zenklub, afirma que se adaptou muito bem ao home office por ser disciplinada em seus horários, tanto de trabalho quanto de descanso. Ela tem horário de início e de término, e faz uma hora de almoço todos os dias – as vezes, sai até para andar de
bicicleta nesse horário. Deu o horário do fim do expediente, ela desliga o computador.
“Temos de ter o autoconhecimento dos nossos limites. É tentador acordar e começar a trabalhar ou almoçar em frente ao computador para adiantar as coisas, ainda mais com a glamourização do workaholic, mas não quero passar por problemas de novo”, diz Gabrielle, que teve uma crise de burnout há dez anos.
Até para evitar que esse tipo de problema aconteça entre os seus funcionários, a Zenklub, que oferece pacotes de psicoterapia para o mercado corporativo, também dá o benefício para os empregados. Eles têm direito a quatro sessões por mês com psicólogos, e também há desconto para os familiares aderirem ao serviço.
Outras empresas também estão no mesmo caminho. Desde 2018, o Nubank conta o serviço NuCare, que oferece benefícios de ajuda psicológica, planejamento financeiro e assistência jurídica por telefone aos seus funcionários. Como condição extra, o benefício foi estendido para pais e mães de funcionários. “Percebemos que as pessoas precisavam desse tipo de suporte adicional, especialmente por causa da pandemia. Também começamos a oferecer aulas de ioga e mindfulness”, diz Deborah Abisaber, diretora de diversidade e de suporte a pessoas do Nubank.
Muito se discute sobre o home office, principalmente após multinacionais adotarem o modelo de forma definitiva. O mercado entra neste debate como se essa fosse a realidade da maioria dos trabalhadores, quando na verdade só 11% dos brasileiros trabalharam em suas casas no ano passado, conforme dados da Pnad Covid-19 analisados nas duas últimas Cartas de Conjunturas divulgadas pelo Ipea em julho e setembro deste ano. Os levantamentos e as análises mostram que o retrato do trabalho remoto é composto majoritariamente por mulheres, pessoas brancas e altamente escolarizadas, o que distancia o modelo da realidade de grande parte dos brasileiros.
A primeira nota foi divulgada pelo Ipea em 15 de julho com o objetivo de mensurar o trabalho remoto no País. Para isto, foram utilizados os dados da Pnad Covid-19, colhidos de maio a novembro de 2020. Dentre os 83 milhões de pessoas ocupadas no ano passado, 74 milhões (88,9%) continuaram trabalhando normalmente e 9,2 milhões (11,1%) foram afastadas. Dentre os que continuaram ativos, 8,2 milhões estavam em home office (11% da população total ocupada e não afastada).
“Em termos de potencial de mercado de trabalho, estimávamos que fosse 16% da população em trabalho remoto. A média é de 11% no País. Concordo que existe um gap, mas não é tão grande assim comparado a outros países”, diz Geraldo Goés, especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac) do Ipea. “Entendemos que são características laborais de cada atividade. Algumas são mais propícias ao trabalho remoto, como profissionais da educação, gerentes, tomadores de decisão.”
O professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mauro Rochlin vê os números do home office como expressivos. “Há um alto número de pessoas empregadas no setor agrícola, na indústria. A maior parte não está no setor administrativo, e sim no chão de fábrica. É claro que essa indústria tem parte no administrativo, mas a maior parte se concentra no setor produtivo.”
O perfil do trabalhador remoto é marcado por uma maioria feminina (56,1%), branca (65,6% são brancos e brancas), com Ensino Superior completo (76,6%) e majoritariamente no setor privado (63,9%).
“A maioria dos trabalhadores do home office está no setor administrativo, que normalmente tem pessoas com um maior nível educacional”, diz Rochlin. “Se você olhar a composição da população de nível superior, é muito desigual se comparada com a maioria da população brasileira (negra). A presença de pretos e pardos entre a população com Ensino Superior é menor do que quando fazemos um comparativo com a população no geral. Já que o trabalho remoto é feito majoritariamente na área administrativa (que exige maior nível educacional), a expectativa é de maior presença de brancos e brancas.”
A professora Carla Diéguez, socióloga do trabalho e coordenadora do curso de Sociologia e Política da FESPSP, concorda.
“Isso demonstra que a educação é algo que tem classe. Ela é destinada para determinadas classes, principalmente o ensino superior, que vai te colocar em condições que vão te permitir acessos a alguns benefícios.”
Entre esses benefícios e regalias, estão equipamentos, completa Geraldo Góes. “Poucas pessoas tinham condições de exercer o trabalho remoto, porque não dependia só delas, mas também da própria empresa ter condições de colocar um computador na casa da pessoa.”
Flexibilidade. Foi o caso da startup de benefícios de saúde Pipo, que colocou todos os funcionários em home office e adotou a medida como definitiva.
“Tomamos essa decisão em maio de 2020, e ela foi motivada por motivos diferentes. O primeiro é por ter acesso a talentos, para poder contratar pessoas de qualquer lugar além de São Paulo, e a segunda é para refletir nossos valores de autonomia. Ou seja, as pessoas terem autonomia para morar onde elas quisessem e ter flexibilidade”, conta Manoela Mitchell, CEO e cofundadora da Pipo Saúde.
No setor privado, segundo a pesquisa, destacam-se no trabalho remoto serviços (14,5%), educação (10,3%) e comunicação (7,7%). Já no setor público, as áreas com maiores índices de trabalho remoto são administrações públicas (14,4%), empregados dos governos estaduais (13,9%) e empregados do governo federal (7,8%). Atividades que ficaram abaixo da média nacional são agricultura (0,6%), logística (1,8%) e alimentação (1,9%).
“De forma geral, a nossa economia não se situa em serviços de alta tecnologia e produtividade. Ainda somos sustentados pela commodity, pelo setor agrário e por serviços de baixo valor agregado”, diz Carla Diéguez.
Há também no estudo do Ipea um recorte por regiões. A maior concentração de pessoas em trabalho remoto está no Sudeste (58,2%), com 4,7 milhões de trabalhadores. A região é seguida pelo Nordeste, com 16,3%, e pelo Sul, com 14,5%.
A participação de pessoas pretas ou pardas no trabalho remoto é menor em todas as unidades federativas. No Rio de Janeiro, por exemplo, 52,5% das pessoas ocupadas e não afastadas são negras, mas compõem só 34% dos trabalhadores em home office.
Custo extra
Com a alta aprovação do home office, diversas empresas já definiram que o modelo continuará firme mesmo no período póspandemia. Algumas nasceram, inclusive, com esse propósito. A startup de tecnologia Labsit foi fundada em 2018 com a ideia de os funcionários sempre trabalharem de casa. Como optou pelo modelo remoto desde o início, a empresa também colocou a mão no bolso para atrair e dar suporte para os funcionários.
Além de todos os benefícios habituais, como vale-refeição, GymPass e auxílio em viagens, a empresa paga um porcentual de 30% do salário como ajuda de custo para contas como internet e luz. “Sempre foi um benefício muito bem aceito para reter talentos”, afirma Rodrigo Silveira, um dos fundadores da Labsit.
Pode parecer óbvio que as empresas deveriam auxiliar os funcionários com os custos adicionais que o home office ocasiona, mas isso ainda está distante da maioria dos trabalhadores. De acordo com a pesquisa da FEA e da FIA, somente 29% das empresas fornecem ajuda de custo com a internet e 13% com a conta de energia. O número, apesar de baixo, melhorou: antes eram apenas 7% e 3% que ajudavam com as contas de internet e luz, respectivamente.
“As contas ainda não foram balanceadas, e esse tipo de custo pesa muito para a população, especialmente a de renda menor”, diz André Fischer, da FEA.
Para completar, também há poucas empresas que enviam equipamentos ergonômicos necessários para os seus funcionários. Segundo a pesquisa, 29% das empresas não enviam equipamentos como cadeira e suporte para computador. Quase metade (49%) envia parte deles, e apenas 22% fornecem todos os equipamentos necessários. Os números melhoraram em comparação com o ano passado, mas ainda são baixos, segundo Fischer.
O Nubank entra na lista dos que enviam todos os equipamentos e ainda dão um auxílio financeiro. A fintech, que dobrou o número de funcionários desde o início da pandemia (hoje tem 4 mil empregados), também teve o desafio de conseguir fazer a integração de todos em um período tão turbulento. “Tivemos de mudar todo o processo de integração dos funcionários para essa nova realidade”, diz Deborah Abisaber, diretora do Nubank.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.