Obra que mostra postura crítica do escritor sobre o Modernismo foi organizada pelo professor Thiago Mio Salla, da Escola de Comunicações e Artes da USP
A Semana de Arte Moderna de 1922 representou uma reviravolta à cena literária brasileira. Se por um lado gerou inovações, por outro gerou questionamentos sobre as mudanças propostas pelos escritores. Entre aqueles que se resignaram com os caminhos tomados pelo movimento modernista estava Graciliano Ramos.
As críticas feitas ao movimento pelo autor alagoano foram exploradas no livro Antimodernista: Graciliano Ramos e 1922 (Editora Record), obra organizada pelo professor Thiago Mio Salla, do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em São Paulo, em conjunto com a pesquisadora e crítica literária Ieda Lebensztayn.
Além de trechos de entrevistas dadas por Graciliano, crônicas e cartas, o livro traz passagens da obra Memórias do Cárcere e do texto Pequena História da República, nos quais o autor “faz pequenos highlights de alguns períodos para tentar entender a história republicana do Brasil e um deles é o ano de 22”, explicou o organizador da obra.
Em conversa com o Ciclo22, o professor falou sobre as razões por trás da postura antimodernista do autor de Vidas Secas.
Estética e uso político
Foto: Reprodução/Editora Record
A obra mostra que uma das primeiras críticas de Graciliano ao Modernismo foi feita em 1926. Em carta a um amigo, o autor relata de maneira irônica que, para entender o poema Neste rio tem uma Iara, de Mário de Andrade, era necessário entender a língua paulista, “como se fosse uma variante da língua portuguesa que ele não dominava”, ressalta Salla.
O poema em questão tem o estilo proposto pelos modernistas com versos livres e uso de linguagem coloquial, estilo do qual Graciliano era crítico. Para ele, as facilidades trazidas pelo movimento abriram espaço para uma literatura medíocre.
“Ele vai dizer que o Modernismo foi a oportunidade para ‘muita safadeza’, ele usa esse termo inclusive. Ou seja, pessoas que queriam escrever um livro de poemas num dia ou romances numa semana, simplesmente achando que estavam escrevendo na língua do povo, uma suposta oralidade que para ele significava vícios de linguagem, cacofonias, anfibologias”, disse o professor.
Não à toa, o autor discordava da proposta modernista de tornar autores consagrados, como Olavo Bilac, modelos do que não deveria ser seguido na literatura. Romper com a estética gramatical vigente, para Graciliano, levou o Modernismo a falhar politicamente, conforme analisou o professor. “Em vez de propor uma revolução contra a constituição, contra a ordem estabelecida, [os modernistas] se colocaram contra a gramática, contra a tradição romanesca até ali colocada. É uma superficialidade daquilo que foi proposto”.
Fotos: Graciliano.com.br e Editora José Olympio
A postura antimoderna de Graciliano, entretanto, não pode ser considerada conservadora. A visão crítica levou o escritor a manter uma estética tradicional na escrita, ao mesmo passo em que o fez propor novos elementos à literatura, como reconhecimento das mazelas sociais no Nordeste brasileiro.
“Um antimoderno nada mais é do que um ser visceralmente moderno. Alguém a quem a modernidade não engana. Por vir de um lugar tradicional, tem uma visão mais tradicional do mundo, o que não quer dizer conservadora ou reacionária. Ele está, de certa forma, tentando fazer mediação entre inovação e tradição”, afirmou Salla.
Além da ruptura estética, o escritor alagoano criticou as produções artísticas com o uso das cores da bandeira. Graciliano reconheceu que as intervenções com elogios nacionalistas, propostas no que ficou conhecido como a Escola da Anta, por volta de 1927, tiveram uso político por movimentos fascistas, como o Integralismo.
Essa oposição ao Modernismo estava de acordo com outros críticos do movimento à época, como José Lins do Rego, por exemplo, mostrando que as críticas também eram usadas de maneira a firmar os escritores daquela geração, a chamada Geração de 30.
“É um ponto de vista interessado. Ele [Graciliano] fala que o Modernismo não fez nada, a função dele foi disruptiva. O que fez foi abrir caminho para que a grande literatura do Romance de 30 se estabelecesse. Assim como o Modernismo fez com os parnasianos, ele vai falar mal do Modernismo”, explicou o professor.
Thiago Mio Salla, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens
Para Thiago Salla, a trajetória e a obra do autor antimodernista seguem atuais por contribuirem com discussões de temas que, assim como em 1922, compõem desafios enfrentados pelo Brasil. Desigualdade social e proselitismo político são alguns deles.
“Essa importância que Graciliano tem, seja como uma figura vigilante, seja como alguém que conseguiu de forma artística elevada retratar esses problemas, nos ajuda a olhar criticamente para o nosso presente e para o nosso país no sentido mais amplo”, afirmou.
Graciliano Ramos no IEB
O Antimodernista virou projeto no início de 2021. A obra reúne produções que fazem parte do Acervo Graciliano Ramos no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, em São Paulo.
Foi lá que Salla descobriu seu entusiasmo pela literatura de Graciliano e segue reunindo esforços para catalogar e investigar materiais que guardam muito a ser descoberto. Por meio do Projeto Unificado de Bolsas (PUB) intitulado Levantamento, Transcrição, Catalogação e Análise de Novas Facetas do Autor de Vidas Secas, o professor trabalha com estudantes para mapear produções que remontam a trajetória do autor.
Além de manuscritos que demonstram modificações nas obras, o arquivo guarda materiais que recontam a trajetória de Graciliano. Salla relatou, por exemplo, a descoberta de um “livro-caixa” usado pelo autor durante seu mandato como prefeito da cidade de Palmeira dos Índios. Os materiais ajudam a entender o impacto do cotidiano na escrita do autor.
Os materiais catalogados que compõem o arquivo podem ser acessados clicando no link.
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Fonte: Jornal da USP