
FOLHAPRESS
O líder do governo Lula (PT) na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), afirma que as exonerações de cargos ligados a deputados que votaram contra a MP (medida provisória) de aumento de impostos são uma “assepsia” que veio tarde.
“O que o governo decidiu, ainda que tarde, mas antes tarde do que nunca, é que não dá para um partido ter ministério A, B, C e não ajudar o governo”, diz em entrevista à Folha de S.Paulo.
Segundo Guimarães, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), está de acordo com a redistribuição de cargos para aliados e selou uma trégua com Lula durante jantar no domingo (19).
O líder diz que a repactuação vai ter efeito para aprovar o que ele considera urgente até o fim do ano: matérias fiscais e o Orçamento.
Depois de Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), criticarem o Congresso publicamente, Guimarães afirma que é o momento de “estender a bandeira da paz”.
PERGUNTA – Como estão os projetos para compensar a queda da MP de aumento de impostos?
JOSÉ GUIMARÃES – Precisamos criar as condições para votar o Orçamento. Temos que resolver o buraco orçamentário, os R$ 35 bilhões previstos na MP que caducou. Quando a MP foi editada, foi dito por parlamentares que o governo não cortava gastos. Vamos aproveitar o projeto relatado pelo Kiko Celeguim [PT-SP, sobre falsificação de bebidas] para enxertar nele medidas de contenção de gastos.
P – Mas o projeto é para tornar crime hediondo a falsificação de bebidas.
JG – Estamos aproveitando o projeto que está para ser votado [na semana que vem] porque temos pressa.
P – Com esse argumento de que o governo corta gastos, é possível sensibilizar a oposição?
JG – É uma boa narrativa. Vamos trabalhar para ter os votos necessários para buscar tirar esse mal-assombro do meio daqui até entrarmos em recesso. Para o governo ter tranquilidade em 2026.
P – Aprovando o ajuste de despesas e o corte de incentivos fiscais, a terceira medida, que seria taxação de bets e fintechs, pode não ser votada?
JG – Não sei se dá para votar neste ano, mas virá um projeto de lei com urgência constitucional.
Precisamos fazer cumprir o arcabouço, então o governo tem que cortar e tem que ter receita.
P – Mesmo essas votações de questões fiscais neste ano já estão contaminadas pelo ambiente eleitoral, não?
JG – Acho que se a gente fizer o dever de casa, dá para aprovar.
P – O governo vai aceitar o calendário de emendas na Lei Orçamentária?
JG – Não. É tarefa do Executivo, não do Legislativo, estabelecer o calendário de execução do Orçamento.
P – O governo está demitindo indicados de parlamentares que votaram contra a MP. Essa estratégia ajuda ou só deixa o clima pior?
JG – Por incrível que pareça, esse choque não piorou o ambiente. Havendo uma recomposição, nos termos que o presidente Lula conversou com Motta no domingo à noite, ouvindo líderes de bancada e do governo, se faz uma repactuação. Precisamos dessa repactuação para os projetos que o governo precisa aprovar até a eleição. O que o governo decidiu, ainda que tarde, mas antes tarde do que nunca, é que não dá para um partido ter ministério A, B, C e não ajudar o governo.
P – O sr. acha que o governo deveria ter feito isso antes?
JG – A vida ensina. É um processo de amadurecimento. Eu, por exemplo, recebi muitos cumprimentos pela decisão do governo. Tem gente que quer votar com o governo e não tem espaço. E tem muita gente que tem espaço e que não ajuda. Essa recomposição é sadia, ajuda o presidencialismo de coalizão. Se vai dar certo ou não, é um esforço que estamos fazendo. Porque tem uma emergência: aprovar o Orçamento.
P – Motta está de acordo com essa repactuação, que exonera indicados de partidos do centrão aliados dele?
JG – Motta tem acordo com o governo para recompor. Chama o líder do partido tal e faz a repactuação.
P – Quais partidos?
JG – Todos os do centrão, do União Brasil ao PDT.
P – Por que Motta tem um papel nessa repactuação?
JG – Ninguém vota nada se não for em parceria com o presidente. Até porque o governo não tem maioria ideológica nem programática aqui. Independentemente das qualidades do Congresso ou não, o governo precisa do Congresso.
P – Essa repactuação inclui a possibilidade de uma reforma ministerial, com mais espaço para o Republicanos, por exemplo?
JG – Lula não deu demonstração disso. O que existia era um conjunto de participações desses partidos nesses órgãos todos, não a nível de ministério. Faz uma assepsia, digamos assim, e vamos recompor agora.
P – Motta disse que o governo precisa melhorar muito a relação com o Congresso. Como vê essa crítica pública à articulação?
JG – Gleisi [Hoffmann, ministra de Relações Institucionais] e eu temos que defender o governo. O presidente da Câmara tem que defender o Legislativo. Por isso que essa repactuação tem que passar por ele também.
P – Haddad disse que o Congresso está atuando em função do calendário eleitoral e não da justiça tributária.
JG – O momento é de estender a bandeira da paz.
P – Então ele errou no tom.
JG – Aí cada um interpreta como quer. Até o final do ano, temos que votar matérias fundamentais. Temos que resolver um problema de déficit, porque senão nós vamos desrespeitar a lei do arcabouço e cometer crime de responsabilidade. Preciso de voto aqui. Por isso tem que ter recomposição. Tem que ter, naquilo que transparentemente está dito e combinado, que é o pagamento das emendas.
P – O sr. foi consultado quando o PT levou ao ar um programa que acusa o Congresso de sabotagem e de proteger os ricos?
JG – O Congresso, em sua maioria, decidiu coisas muito doídas para o governo. Pensam que foi fácil naquela noite que derrotaram o IOF? Aquelas decisões do Congresso atingiram fortemente nosso governo, na moleira, como se diz no Nordeste. Era natural que o governo reagisse, que o PT reagisse.
Claro que há exageros, mas isso faz parte do processo democrático.
No mesmo momento em que votaram o fim do IOF, votaram o licenciamento ambiental. Você não acha que isso foi um tiro? É o tiro da derrota estratégica para o governo. E o governo vai ficar calado? Não. Foi uma reação ao que o Congresso fez. A maioria, não foi todo o Congresso.
P – O sr. falou de bandeira branca, mas Lula falou em um evento, ao lado de Motta, que o Congresso nunca teve tão baixo nível. O sr. concorda?
JG – Veja bem, o presidente tem todo o direito de falar o que quiser. Eu, como líder do governo, tenho que respeitar a diretriz do governo.
P – E rebolar depois para ajeitar as coisas.
JG – Conversei com Motta sobre isso, alguns parlamentares me ligaram. Depois o presidente disse que estava se referindo mais à ultra direita. Nunca é bom generalizar, né?
P – Motta e parlamentares o procuraram para reclamar da fala do presidente?
JG – Não, para dizer “rapaz, será que não foi um exagero?” Mas entendo. Faz parte. Tanto é que não teve crise depois. Já convivi com vários presidentes desta Casa. São estilos diferentes. O Hugo é uma pessoa muito polida. Tem uma coisa no Hugo que aprecio: ele é muito humilde para a autoridade que é. Por isso as pessoas nem sempre compreendem.
P – O sr. conversou com o presidente e pediu algum gesto?
JG – Não. Estava no Ceará, não deu nem tempo. Entendo que ele estendeu a bandeira branca para o Congresso quando se reuniu com Motta no domingo à noite.
P – Como foi esse encontro?
JG – Fui informado por ambos que foi produtivo e que produzirá os efeitos necessários para a aprovação da matéria de interesse do país.
P – Então tem uma trégua?
JG – Se você chama uma autoridade para a sua casa, é um puta gesto. Lula chamou o presidente da Câmara para jantar no Palácio do Alvorada. É mais forte do que qualquer palavra. Motta estava na Paraíba e voltou para essa reunião.
Vocês conhecem o Lula, o Lula adora disputa política. É a coisa que ele mais sabe fazer. O Lula cresce na disputa política. Estamos cheios de exemplos. As decisões do Congresso. O tarifaço do [Donald] Trump.
P – Com essa repactuação, acha que partidos do centrão vão estar com Lula na eleição de 2026?
JG – Defendo uma frente ampla para a reeleição do Lula. Se depender de mim, esses partidos vão estar apoiando o Lula. Se vão ou não, é um processo de construção.
P – E o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na eleição de 2026?
JG – Esse já foi pro espaço. Porque fez aquele aranzel todo. Veio para a anistia, tarifaço… Quebrou a cara.
Dificilmente será candidato. Eu vi pesquisa de São Paulo, capital e região metropolitana, e o Lula já está muito na frente dele, lá no quintal dele.
JOSÉ GUIMARÃES, 66
Advogado, foi deputado estadual pelo PT no Ceará e presidente do partido no estado. Exerce o quinto mandato consecutivo como deputado federal. É filiado ao PT desde 1985. É o atual líder do governo Lula (PT) na Câmara dos Deputados.