Recomendação ocorre após PM prender grupo por estender faixa contra Bolsonaro. Especialistas ouvidos pelo G1 explicam que legislação foi criada no ‘contexto da ditadura’ e tem conceito ‘muito amplo’.
A prisão de um grupo de manifestantes em um ato contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), nesta semana, levantou o debate sobre a interpretação da Lei de Segurança Nacional pela Polícia Militar do Distrito Federal. Entre as reações, está uma recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ao governo do DF, para que “manifestantes pacíficos” não sejam presos.
Na quinta-feira (18), cinco pessoas foram detidas após estender uma faixa com a réplica de uma charge do cartunista Aroeira, publicada em 2020, na Praça dos Três Poderes. O desenho retrata o presidente pintando a suástica –símbolo nazista – em uma cruz vermelha, que faz referência ao serviço de saúde. No cartaz, Bolsonaro é chamado de “genocida”.
Segundo a PM, “o grupo foi detido sob a acusação de infringir a Lei de Segurança Nacional ao divulgar a cruz suástica associando o símbolo ao presidente da República”. Questionada sobre as reações após o ato, a corporação afirmou que “cumpre a lei”.
Especialistas ouvidos pelo G1 explicam que a lei em questão foi criada em um contexto de ditadura, “para impedir a manifestação de opositores”, e que tem “conceito muito amplo”, que gera diferentes interpretações (saiba mais abaixo).
Recomendação do MP
Em ofício enviado à Secretaria de Segurança do Distrito Federal (SSP-DF), a 3ª Promotoria de Justiça Militar cita o caso do grupo preso nesta quinta, e pede que as autoridades “determinem às forças de segurança pública que se abstenham de prender em flagrante manifestantes pacíficos sob o fundamento da violação à Lei de Segurança Nacional”.
O documento, assinado pelo promotor Flávio Augusto Milhomem, cita que a Constituição Federal prevê que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão restrição”.
Ainda de acordo com o promotor, a Polícia Militar, que pela lei é considerada força auxiliar e reserva do Exército, deve ter sua regulamentação “interpretada de acordo com os valores constitucionais”. O ofício pede que a suspeita da prática de crimes contra a ordem política e social devem ser comunicadas à Polícia Federal.
A Defensoria Pública da União (DPU) também se manifestou contra a aplicação da Lei de Segurança Nacional na prisão de manifestantes. Em ação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão pede que a Corte encerre inquéritos instaurados com base na Lei de Segurança Nacional contra pessoas que manifestaram críticas sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia de Covid-19.
O que diz a PM?
O G1 questionou a Polícia Militar do DF sobre as manifestações e a conduta da corporação na prisão dos manifestantes. Em nota, a PM disse que “visa manter a segurança e a ordem pública, somente prende manifestantes em situação de vandalismo, situação em que eles põem em risco sua própria vida e a de terceiros e em situação de destruição ao patrimônio público”.
“A Polícia Militar cumpre a Lei, se a Lei mudar continuaremos a cumprir a Lei”, disse a PMDF em nota.
Questionados sobre quantas prisões ocorreram durante as manifestações em defesa do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), entre maio e junho de 2020, a PM afirmou que “não temos dados sobre prisões de manifestantes nestas manifestações”.
O que é a Lei de Segurança Nacional?
O especialista em Direito Constitucional, Acácio Miranda da Silva Filho, explica que a Lei de Segurança Nacional foi criada dentro do contexto da ditadura, na década de 1970. “Ela foi declaradamente editada com o objetivo de evitar ataques à ditadura militar, para tutelar determinados excessos”, afirma.
“No contexto que se tem hoje, é a aplicação no que diz respeito à honra do presidente”, diz Acácio Miranda da Silva Filho.
Acácio lembra que a lei foi analisada pelo STF durante o processo de democratização, e teve parte dela mantida. “Os ministros entenderam como válidos aqueles artigos que visam a tutela [proteção] dos princípios da separação dos Poderes e do nosso regime democrático”, aponta o especialista.
O texto da lei considera crime “lesar ou expor a perigo” a “integridade territorial e a soberania nacional, o “regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito e “a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.
A pena para quem descumpre a Lei de Segurança Nacional, é de um a quatro anos. O que, geralmente, leva a uma substituição da pena de reclusão por restrição de direitos ou multa. Para o especialista, a aplicação da lei para prender os manifestantes é questionável.
“Meia dúzia de pessoas se manifestando não apresentam nenhum risco ao regime federativo”, diz o especialista.
Debate
Questionado se a reanálise do tema pode auxiliar na interpretação da norma, o especialista em Direito Constitucional Acácio Miranda da Silva Filho afirma que “a lei já é clara e o que tem ocorrido é uma distorção do entendimento”. Para ele, se o STF analisar a aplicação das regras a pedido da Defensoria Pública da União, pode até “rever a validade da lei” nos tempos atuais.
Já para o especialista em Direito Penal, Matheus Falivene, o STF pode, na verdade, chancelar o uso da Lei de Segurança Nacional para prender manifestantes, caso faça uma nova discussão. “O próprio STF já usa a lei para punir opositores”, explica.
No ano passado, a Polícia Federal prendeu membros de movimentos antidemocráticos acusados de ameaçar integrantes do Judiciário, sob alegação de violação contra a Lei de Segurança Nacional.
Matheus Falivene afirma que a lei “traz uma definição muito ampla” e diz que seria esse um dos problemas na interpretação. Para ele, uma saída pode ser o STF “definir um filtro para a aplicação da lei” ou ainda a “reformulação de uma lei nova pelo Congresso Nacional”.
Com informações do G1*